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A Casa de Alice

Filme de observação na linha de O Pântano está mais próximo do pessimismo de Contra Todos

29.10.2007, às 21H00.
Atualizada em 10.11.2016, ÀS 05H01

Tem três quartos, cozinha, área de serviço avarandada e uma sala de jantar/estar de uns 5 metros de comprimento o apartamento de classe média em que Alice (Carla Ribas) mora com a sua mãe, o marido e os três filhos. É esse espaço exíguo e hiper-povoado, pouco recomendado a movimentos de câmera, que o diretor Chico Teixeira se desafiou filmar em seu primeiro longa-metragem, A Casa de Alice.

Auxiliado pelo excelente diretor de fotografia Mauro Pinheiro Jr. (Cinema, Aspirinas e Urubus), Teixeira segue corpos sem marcação cênica rígida, dentro desse curto perímetro, para contar a história do martírio de Alice. Manicure de dondocas boas-vidas, ela tem dentro de casa uma família em cacos - o marido taxista a trai com meninas, a mãe idosa é vista pelo genro como fardo e os filhos escondem segredos auto-destrutivos.

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Não é nada que outras famílias também não sofram, e Teixeira toma a casa de Alice justamente como amostragem desse estrato social que se limita a sobreviver e, o tempo inteiro, a sufocar eventuais ambições de vida. Alice é bela, honesta, tem suas paixões e os seus anseios. Mas o mundo ao seu redor lhe impede de praticá-los. A questão central do filme é saber até quando Alice aguenta.

Capturar banalidades do dia-a-dia, identificar nas pequenas coisas os sinais de uma ruptura (ou de uma estagnação), é o tipo de escolha cinematográfica que marca uma safra recente do cinema brasileiro e argentino, notadamente em filmes de observação da realidade, como O Pântano e O Céu de Suely. A Casa de Alice, porém, em boa parte por seu pessimismo intrínseco à premissa, está mais próximo de outro retrato da classe média paulistana, Contra Todos.

Contra Todos, filme que também dava ao elenco a chance de improvisar no texto e no espaço, vivia em embate com um paradoxo: a câmera vai aonde os corpos vão, mas os personagens ali estão fadados a seguir o papel social que lhes cabe, estão fadados a seguir um destino. Com A Casa de Alice acontece o mesmo (em escala bem menos sensacionalista, diga-se): a mise-en-scène é livre, mas do determinismo não se foge.

Por mais que Chico Teixeira e Mauro Pinheiro se aproximem dos personagens com delicadeza, sem expô-los demais mesmo no close-up mais íntimo, num esforço cênico notável de preparação de elenco e de filmagem, os tipos ali já estão marcados e os seus futuros determinados. Lucas (Vinícius Zinn) não irá além do retrato do irmão mais velho que se camufla por trás da autoridade. O filho do meio, Edinho (Ricardo Vilaça), se estigmatiza pela sua mania de pegar dinheiro emprestado da avó sem avisá-la, e quando a câmera o acompanha é para reforçar esse estigma. Ao caçula Júnior (Felipe Massuia) resta absorver o que de ruim acontece ao redor. Em nenhum caso há escape possível.

Observar o mundo é uma opção de cinema que visa resgatar a humanidade dos corpos que passeiam diante da lente. Cinema de observação pressupõe ausência de pré-julgamentos, e os personagens de A Casa de Alice de saída já estão condenados.

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