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A Vida dos Outros

Vencedor do Oscar de melhor filme estrangeiro não cumpre com as próprias expectativas

29.11.2007, às 19H00.
Atualizada em 21.09.2014, ÀS 13H31

Não se ganha um Oscar impunemente. A Vida dos Outros (Das Leben der Anderen, 2006) começa prometendo um olhar novo sobre a relação entre algozes e vítimas, mas no fim só entrega o monólogo humanista que enche os olhos de quem não se arrisca a repensar maniqueísmos.

Vencedor da Academia na categoria de melhor estrangeiro em 2007, o filme de Florian Henckel von Donnersmarck começa realmente bem - mais exatamente, em 1984, Berlim oriental. O centro da trama não são os vigiados do regime comunista alemão, mas os vigias. Gerd Wiesler (Ulrich Mühe) trabalha a serviço da causa vermelha, espionando, interrogando e descobrindo potenciais conspiradores. Wiesler se orgulha do sistema e, principalmente, se orgulha dos seus métodos.

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E Wiesler decide que conseguirá desmascarar o dramaturgo Georg Dreyman (Sebastian Koch), queridinho do Partido Comunista, cujas peças exaltam o regime. Wiesler acredita que o círculo teatral de Dreyman está infestado de colaboradores do capitalismo, com ligação direta com a Berlim ocidental. O Muro ainda está cinco anos longe de cair - Dreyman representa um perigo aos olhos de Wiesler, portanto terá sua privacidade vigiada.

A partir do momento em que elege a perspectiva voyeurística de Wiesler como principal, A Vida dos Outros nos coloca numa posição rara dentro dos filmes que denunciam abusos ideológicos de guerra: estamos do lado inconfessável dos carrascos. É pelo ponto de vista do espião que assistiremos ao drama de Dreyman - grampeando seus telefones, observando suas janelas, monitorando seus mínimos movimentos e sons dentro de casa.

Daí o nome do filme: a vida de Wiesler passa a ser a vida do outro, Dreyman.

Essa é a promessa feita por von Donnersmarck na forma como constrói a bela introdução. E o que espanta mais, na metade do filme, não é o talento com que o diretor nos conduziu até ali. O que espanta mais é a maneira como Florian von Donnersmarck abandona a premissa do meio para o fim.

O diretor praticamente dispensa Wiesler como seu "intermediário" no momento em que a câmera se vira para o drama de Dreyman. A Vida dos Outros elimina o filtro do espião e coloca o espectador no lugar do dramaturgo acossado - com todo tipo de instrumento de individualização do drama, close-ups, fluxos de pensamentos...

E daí é ladeira abaixo. Sai de cena o ambíguo Wiesler e sobram os personagens planos, maniqueístas, como os amigos idealistas de Dreyman ou chefe de espionagem Grubitz, a quem é dado tempo de tela demais para o papel óbvio que lhe cabia. O dilema moral em que o vigia Wiesler estava inserido - ao "trocar" de vida com o seu vigiado, ele passa a compreender as motivações do outro, que são completamente opostas às suas - é largado ao meio do caminho.

No fim perde-se a compreensão do carrasco - única humanização que tinha genuíno interesse em A Vida dos Outros - e fica só o filme-denúncia vitimizante. Fica um filme como os outros.

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