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A.I. nem genial, nem emotivo

A.I. nem genial, nem emotivo

07.09.2001, às 00H00.
Atualizada em 17.11.2016, ÀS 03H06

Tema crucial para Stanley Kubrick (1928-1999), o mundo dos robôs e da inteligência artificial já havia sido visitado magistralmente em "2001 - Uma Odisséia no Espaço". Na ocasião, o computador HAL 9000 adquiria características emotivas, tipicamente humanas, durante uma viagem interplanetária. Depois de ler o conto "Superbrinquedos Duram o Verão Todo", de Brian Aldiss, Kubrick decidiu incorporar a temática a outra marca de seus filmes, às questões do inconsciente humano, o instinto, a sua natureza emocional, típicas de filmes como "Lolita" e "Laranja Mecânica".

Assim, baseada no livro, nasceu a idéia de "A.I.". O seu questionamento principal: num futuro próximo, os avanços tecnológicos possibilitariam à humanidade criar um robô perfeito, que pudesse pensar, sentir e amar de verdade. Mas como deveria reagir o homem, sabendo que tudo aquilo partia de uma iniciativa artificial&qt& As máquinas poderiam amar os homens, mas os homens conseguiriam amar as máquinas&qt&

Durante vinte anos, Kubrick se esmerou em concretizar a proposta. Chegou a desenvolver protótipos mecanizados, mas o resultado não lhe parecia suficientemente parecido com feições humanas. Em 1982, na época do lançamento de "E.T.", Kubrick se espantou com a capacidade de Steven Spielberg em desenvolver tramas dramáticas sobre situações fantásticas. Concluiu que a sua missão inevitavelmente envolveria o diretor.

Mesmo para alguém como Steven Spielberg, a responsabilidade era imensa, quase insustentável. Ficou acordado que Kubrick escreveria a história, enquanto o diretor se empenharia no comando da parte técnica, diretiva. Kubrick morreu depois de dirigir "De Olhos Bem Fechados". Boa parte da produção, porém, já havia sido estabelecida em previsões particulares e em conversas íntimas entre os dois. Coube ao criador de Indiana Jones conceber o sonho irrealizado de Stanley Kubrick, criar a ficção-científica definitiva sobre a relação entre homens e máquinas.

Escorado por uma publicidade gigantesca, uma campanha monstruosa na Internet, "A.I. - Inteligência Artificial" ("A.I. - Artificial Intelligence", 2001) estréia no Brasil com mais de duzentas cópias.

Filho perfeito

Logo em suas primeiras exibições, a fita já dividiu público e crítica. Nos EUA, a expectativa inicial veio acompanhada de um êxito baixo nas bilheterias para o padrão-Spielberg. Muitos o cunharam de chato, pretensioso, empolado. Outros tantos se entregaram à beleza de sua fotografia. Num mundo de recursos limitados, grande parte da superfície foi tomada pelos mares. A sobrevivência da civilização envolve o auxílio dos seres mecanizados. Do trabalho doméstico à indústria pesada, do serviço de baby-sitter aos desígnios sexuais, sempre há um robô para cada função. David (Haley Joel Osment) foi desenhado para ser o filho perfeito. Mais do que isso, ele surge como o primeiro robô criado para amar. Com um código de palavras pré-estabecido, a mamãe/proprietária pode acionar no garoto o eterno amor familiar. David não adoece, não envelhece, não reclama. Qualquer dano eventual pode ser resolvido com uma troca rápida no fabricante.

Angustiada com o drama de Martin (Jake Thomas), o seu filho verdadeiro, em coma profundo, Monica (Frances OConnor) resolve investir na novidade tecnológica. Com o passar dos dias, ela se habitua com a presença e com o carinho de David. No dia em que Martin desperta, porém, o ciúme do filho instala uma situação cruel. Como profetizava o dilema inicial, o amor do menino-robô era uma via de direção única. Um humano não estava preparado para amar uma máquina.

Abandonado, David acaba metido em um circo infernal, onde robôs são destruídos em cerimônias televisionadas. Ali, ganha a ajuda de Gigolo Joe (Jude Law), literalmente uma máquina de prazer, e escapa. Começa agora a sua epopéia em busca da reconquista materna.

Esteticamente, "A.I." honra a melhor tradição de Spielberg e de Kubrick, em meio a referências de filmes clássicos. A fotografia primorosa, marcada pelo contraste de tons e por longas sequências, remetem a "2001". O clima intenso e luminoso da cidade lembram o futuro previsto em "Blade Runner". Citado no final dos créditos, como uma homenagem póstuma, Kubrick influencia o trabalho principalmente em sua primeira metade, a mais deslumbrante, o período de apresentação de David. Mas daí afloram os dons de Spielberg, o ritmo superficial, a imposição do drama, os efeitos especiais, o entretenimento. O filme procura imprimir na configuração psicológica dos personagens a carga pesada, o estofo das histórias de Kubrick, mas desliza no própria presunção. De certo modo, os estilos dos dois diretores perecem incompatíveis. Assim, o enredo de "A.I." fica tão longe da genialidade de "2001" quanto do apelo emotivo de "E.T."

A.I. - Inteligência Artificial
A.I. EUA, 2001. Dir. Steven Spielber. Com Haley Joel Osment, Jode Law, Frances OConnor, Sam Robards, Jake Thomas, Brendan Gleeson, William Hurt, Jack Angel. Duração: 2h25

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