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Além da Liberdade | Crítica

Assim como o governo militar de Mianmar, Luc Besson acredita que a imagem de Aung San Suu Kyi vale mais que sua pessoa

26.07.2012, às 17H00.
Atualizada em 21.09.2014, ÀS 14H43

Entre 1988 e 1989, o governo militar de Mianmar não soube o que fazer com Aung San Suu Kyi. Filha do finado herói nacional Aung San (que ajudara a livrar o país do domínio britânico em 1948), Suu Kyi morava com seu marido inglês e seus filhos em Londres, quando voltou a Mianmar em 1988 para cuidar da mãe doente. Ao longo do ano, ela acabou adotada como símbolo da luta popular local pela democratização contra o regime armado, e os militares ficaram sem ação... Não podiam simplesmente matá-la - eles já haviam se livrado de Aung San e não queriam transformar a filha em mártir também.

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A solução adotada em 1989 pelos militares - que ficou famosa e ajudou a dar a Aung San Suu Kyi o Nobel da Paz em 1991 - era teoricamente engenhosa do ponto de vista político: mantê-la em prisão domiciliar, isolada do mundo. Sua casa tinha muros altos e um portão todo cerrado, e o nome de Suu Kyi não podia ser dito em público (por isso ela ficou conhecida como "a dama"). A ideia era eliminar não a ativista, mas a voz e a imagem da ativista. Graças aos esforços do marido dela no exterior, porém, o drama de Suu Kyi ganhou o mundo, e essa relação está no centro da cinebiografia Além da Liberdade (The Lady).

Michelle Yeoh protagoniza o filme de Luc Besson com a leveza que se espera de uma líder pacifista budista inspirada por Mahatma Gandhi. A ideia de que Suu Kyi é acima de tudo uma imagem, porém, base da reação dos militares, acaba contaminando o filme. A personagem de Yeoh atravessa as duas horas de Além da Liberdade num estado de graça perpétuo que não nos permite entender a fundo suas motivações. O que Besson nos dá é só o libelo libertário básico: Suu Kyi presencia o horror das ruas, desafia soldados com flores, faz cartazes com frases motivacionais e acena para a multidão.

O nervo desse problema é que Besson está atrás só da mensagem e não se interessa de verdade por Mianmar. O que se descobre sobre o país neste filme é que já foi um lugar de lendas - cujas joias foram roubadas por "soldados de muito longe", diz Aung San à filha quando pequena - e hoje não é muito mais do que uma exótica ex-colônia, com hospitais cheios de baratas e políticos que consultam cartomantes. As ruas da ex-capital Rangum só servem ao diretor como locação de breves cenas de perseguição. O fato de o povo birmanês ser pouco mais do que figurante na paisagem amplia a distância em relação à biografada, que pelo próprio fato de falar inglês no filme mais parece uma estrangeira em seu país.

(Uma visão ocidentalizada mais interessante da rotina de Rangum, como o fascinante ritual dos monges pelas ruas, pode ser conhecida na HQ Crônicas Birmanesas, publicada no Brasil em 2009.)

No filme, essa decisão de se apoiar no que Suu Kyi tem de força imagética, que acaba paralisando a personagem, termina dando mais relevância a seu marido, Michael Aris - papel que David Thewlis interpreta bem, preenchendo os espaços vagos da narrativa. Em meio a muitas decisões burocráticas de direção, Luc Besson ao menos tem o insight de deixar Thewlis interpretar tanto Michael quanto seu irmão gêmeo idêntico, Anthony Aris. Com isso, o marido da ativista acaba se tornando um duplo, na nossa percepção - o Aris londrino (o irmão) e o Aris que só pensa em Mianmar, duas pessoas "em uma".

Essa sensação de duplicidade dá ao personagem do marido, ao menos em termos visuais, um tom trágico que Suu Kyi não tem. A história da Nobel da Paz é singular porque, ao ter sua voz calada e seu direito de ir e vir cerceado, Suu Kyi terminou num limbo entre suas duas identidades: a mãe de família em Londres e a líder política em Mianmar. O que a biografada precisava era justamente ter essa duplicidade transposta para a tela, e isso Além da Liberdade, ao engessar Michelle Yeoh, não consegue lhe dar.

Além da Liberdade | Trailer

Além da Liberdade | Cinemas e horários

Nota do Crítico
Regular
Além da Liberdade
The Lady
Além da Liberdade
The Lady

Ano: 2011

País: França, Inglaterra

Classificação: 14 anos

Duração: 132 min

Direção: Luc Besson

Elenco: Michelle Yeoh, David Thewlis, Jonathan Raggett, Jonathan Woodhouse, Benedict Wong, Susan Wooldridge, Flint Bangkok, Guy Barwell, Sahajak Boonthanakit, Antony Hickling

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