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Angel

Como sua protagonista, François Ozon recria uma realidade que não lhe pertence

06.03.2008, às 17H00.
Atualizada em 03.11.2016, ÀS 02H04

"Cineastas nunca deveriam fazer os filmes que as pessoas esperam deles", costuma dizer o mestre francês Jacques Rivette, e emendando: "Eu preferiria não fazer nada a dirigir algo que lembra meus outros filmes". Outro francês, François Ozon, nome forte de uma geração que luta para sair da sombra da venerada turma de Rivette - a turma da Nouvelle Vague e da revista Cahiers du Cinéma dos anos 50 e 60 -, segue em seus filmes esse preceito à risca.

Só nos últimos cinco anos Ozon fez um musical (8 Mulheres e Meia), um suspense (Swimming Pool), um experimento romântico (Amor em 5 Tempos) e um drama existencial (O Tempo que Resta). Agora, em Angel, se joga no drama britânico de época, o seu primeiro longa falado em inglês.

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O diferencial de Ozon é que ele não tenta fazer um filme de época típico, mas deixar claro que é um cineasta moderno tratando de um tema e um gênero que não lhe pertencem. O chroma-key grosseiro que coloca carros e pessoas diante de uma Londres de mentira é o artifício anacrônico perfeito para emular outros tempos (tanto do cinema quanto da História).

Estamos na virada do século 19 para o 20, e por anos Angelica Deverell (Romola Garai) sonhou em viver uma vida que não era a sua. Filha de humildes vendedores em Norley, no interior da Inglaterra, Angel se refugia em seus livros - copiosos romances nos quais ela inventa uma vida sem as mesmices da realidade. Se um editor de Londres se interessa por seus escritos, e rapidamente faz dela uma escritora de sucesso, é porque Angel tem talento capaz de descrever um parto mesmo sendo virgem.

A construção de uma realidade falsa é o que aproxima a artista Angel do artista Ozon e faz deste filme um melodrama, no mínimo, diferente dos demais. O cineasta enquadra a pomposidade dos cenários vitorianos com a consciência de que está embelezando em demasia algo já belo. Não é por acaso que Angel - com seus enquadramentos simétricos e zoom outs cerimoniosos - está sendo chamado de "kitsch". Por desconfiar do kitsch, Ozon está no direito de abusar do kitsch.

Angel, porém, não é só um exercício de teste de limites. A personagem, interpretada sem amarras por Romola Garai, uma hora chega a uma situação limítrofe, e a realidade que ela cria em sua cabeça não dá mais conta de suplantar a realidade que bate à sua porta. De forma paralela, Ozon joga com elementos estranhos ao melodrama clássico, como na cena do homem nu sem perna. Personagens mutilados na guerra são uma constante nos filmes da época; a novidade em Angel é o nu escancarado com CGI, um requinte de computação gráfica que, naquela cena do chroma-key, Ozon havia dispensado.

Nesse equilíbrio entre o velho e o novo, uma espécie de vanguarda regressiva, Ozon comete um interessante filme de gênero que dialoga com o passado e o presente. Filme este que, apesar de desconfiar do melodrama, termina com uma bela tomada no melhor estilo dos melodramas clássicos, com a panorâmica da mansão sendo fechada, pálida como numa pintura de Esmé.

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