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Crítica

Cortinas Fechadas | Crítica

Depois de Isto Não É um Filme, Jafar Panahi vai do absurdo à angústia

09.04.2014, às 17H00.
Atualizada em 21.09.2014, ÀS 15H16

Como os estágios de um luto, o cineasta iraniano Jafar Panahi - preso em cárcere domiciliar no Irã por realizar filmes que o governo do país considera contrários ao regime - primeiro tratou a condenação como um teatro do absurdo, ao realizar Isto Não É um Filme, em 2011. Agora em Cortinas Fechadas (Pardé, 2013), seu filme seguinte, vem o estágio da angústia.

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Panahi mantém o esquema de filme dentro do filme para lidar com sua condição de artista preso e, principalmente, para pontuar seu protesto. Filmado em segredo, Cortinas Fechadas se passa todo dentro da casa de praia que Panahi tem à beira do Mar Cáspio. Ao contrário de Isto Não É um Filme, porém, que Panahi realizou inteiro em seu apartamento em Teerã com tom documental, agora há um ensaio de ficção: um escritor (interpretado por Kambozia Partovi) se refugia na praia com seu cachorro quando o governo do Irã decide que cães, impuros sob a lei islâmica, devem ser banidos.

O longo plano estático que abre o filme é a angústia traduzida. A câmera fica dentro da sala, virada para o mar, e acompanhamos o escritor chegando de táxi. Esperamos que ele tire o cadeado e abra a pesada grade que proteje a janela, e assim "liberte" a bela vista da praia, mas ao invés disso o escritor fecha as tais cortinas. Aos poucos vamos entendendo que o escritor representa o medo de retaliação de Panahi. Uma outra personagem, apresentada pouco depois, uma jovem com instintos suicidas, é a representação do oposto; nela Panahi projeta seu inconformismo.

Nesse confronto entre o artista, vestido de branco, e a jovem, vestida de preto - entre o homem encarregado de traduzir a realidade e a própria realidade em si, personificada na mulher -, está o dilema que Pahani enfrenta, de se ver incapaz de filmar seu país num momento em que isso parece mais urgente do que nunca. Em Isto Não É um Filme já se notava a realidade batendo à porta do cineasta - no ótimo final, em que Panahi desce à rua - mas é em Cortinas Fechadas que o drama dessa condição claustrofóbica fica mais latente: os janelões virados para o jardim e a praia só fazem ressaltar o inacessível.

É como se a casa da praia, com seus ângulos registrados em celulares e câmeras e repetidos em cena com uma obsessão de adicto, fosse não um cenário de filme de mansão mal-assombrada, como os muitos lençóis dão a entender, mas antes disso fosse um estado de espírito. Os cartazes nas paredes dos maiores sucessos da carreira de Panahi, como O Círculo e O Espelho, são revelados não em um relance de egomania mas de autopreservação.

O mais curioso, porém, é que Panahi não parece querer preservar sua memória ou sua obra, particularmente, e sim sua capacidade de olhar. Quando a realidade do Irã mais uma vez vem bater à sua porta - na figura de uma mulher que busca desesperadamente a jovem perdida - Panahi não sabe ajudá-la. É o momento mais angustiante de Cortinas Fechadas porque aí fica claro o que está em jogo, com a condenação do governo: não é a história de um homem que se apaga, e sim sua voz.

Cortinas Fechadas | Cinemas e horários

Nota do Crítico
Ótimo
Cortinas Fechadas
Pardé
Cortinas Fechadas
Pardé

Ano: 2013

País: Irã

Classificação: 10 anos

Duração: 106 min

Onde assistir:
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