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Crítica

Deixe a Luz Acesa | Crítica

Ira Sachs localiza uma relação gay no tempo e no espaço e faz um raro filme político sem discursos ou ilusões

07.02.2013, às 20H00.
Atualizada em 10.11.2016, ÀS 22H03

Uma das melhores HQs da década passada, Fun Home situava um drama particular - a relação da autora lésbica Alison Bechdel com seu pai enrustido - dentro de um maior, o drama vivido pela comunidade gay nos EUA com a epidemia de AIDS no começo dos anos 1980. O resultado era potente, porque aquele íntimo caso de incompreensão se amplificava nesse contexto: a história de Alison era a história de muitos.

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O mesmo acontece em Deixe a Luz Acesa (Keep the Lights On), o premiado quinto longa-metragem do diretor Ira Sachs. O roteiro de Sachs e do brasileiro Maurício Zacharias (que coescreveu os dois primeiros longas de Karim Aïnouz, Madame Satã e O Céu de Suely) se passa ao longo de dez anos. Em 1998, em Nova York, o documentarista alemão Erik (Thure Lindhardt) conhece o editor de livros Paul (Zachary Booth). Acompanhamos então, em momentos espaçados, os altos e baixos da relação dos dois.

Diferente de Fun Home, cujo contexto é condicionado ao tempo em que a trama se passa, em Deixe a Luz Acesa Sachs faz um paralelo mais ambicioso: liga uma Nova York bem resolvida, pré-11 de setembro, com a dos anos 1940 e 1950. Erik está pesquisando a vida de Avery Willard (1921-1999), fotógrafo que, embora tenha ajudado a definir a iconografia gay de Nova York com seus retratos, viveu e morreu sem reconhecimento, sua obra raramente publicada. (O documentário In Search of Avery Willard, que Erik realiza no filme, foi feito de fato, em forma de curta, paralelo à produção de Deixe a Luz Acesa.)

Ira Sachs não pretende aqui traçar a evolução dos costumes que permitiram, meio século depois, que homossexuais se aceitassem como tal. Ao lembrar Willard, a ideia de Deixe a Luz Acesa é mais definir um contrapeso que coloque a relação de Erik e Paul em perspectiva. Sachs termina fazendo um filme fortemente político porque embora não pareça haver julgamentos na Nova York da virada de século - do uso de drogas aos casais interraciais, tudo se encara com naturalidade - o passado se faz presente, e o maior obstáculo diante dos protagonistas é o peso da história.

Em entrevistas, Sachs diz que "registrar intimidade é basicamente a única coisa que me interessa em filmes". Então é justamente na intimidade que esse peso da história se manifesta - na carência, na falta de entrega e no medo do provisório que marcam a relação de Erik e Paul. A cena no museu em que Erik precisa se esconder porque Paul avista sua ex-namorada sintetiza bem isso. Erik se recolhe a uma sala que projeta uma vídeoinstalação, e de longe não conseguimos escutar o que Paul e a menina falam. O único diálogo que ouvimos é o de dois idosos lendo um relato gay na videoinstalação - o eco do passado como assombração.

A certa altura, Erik diz querer que sua relação com Paul "me torne mais forte". Há um instinto de preservação aí que se estende a todas as outras relações do filme, e que impede a cumplicidade (a melhor amiga que reclama porque Erik lhe nega confidências, ou o gay bombado que enxerga condenações nos olhares dos outros). A trilha sonora formada por canções de Arthur Russell (1951-1992) casa muito bem com a ambientação em bares, boates, casas e apartamentos do filme, porque parece querer confortar, ao mesmo tempo em que sufoca.

Deixe A Luz Acesa não se passa todo em ambientes fechados, mas são eles que definem as relações dos personagens. Em um dos momentos cruciais, Erik se despede de Paul dentro de um carro, e o fato de um deles já estar no extracampo, fora do enquadramento, quando o outro diz que o ama é o sinal de que algo mudou. Como um bom filme lacunar que lida com a maneira como ocupamos os nossos espaços públicos e privados - algo que Zacharias já desenvolvia nos filmes com Aïnouz - Deixe A Luz Acesa termina com um plano geral, devolvendo seus personagens à rua, confiante de ter alcançado com eles um novo entendimento, uma nova convivência.

Deixe a Luz Acesa | Cinemas e horários

Nota do Crítico
Excelente!
Deixe a Luz Acesa
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Deixe a Luz Acesa
Deixe a Luz Acesa

Ano: 2012

País: EUA

Classificação: 18 anos

Duração: 101 min

Onde assistir:
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