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Desonra - Festival do Rio 2008

Adaptação do premiado livro de J.M. Coetzee faz pensar sem ser moralista

30.09.2008, às 23H00.
Atualizada em 21.09.2014, ÀS 13H40
Nobel de literatura, o escritor sul-africano J.M. Coetzee

Desonra

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Desonra

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levou pelo livro
Desonra o prestigiado Booker Prize inglês. É prosa dura, impregnada de discussões morais e políticas, mas com imagens límpidas e fortes, boas para uma adaptação ao cinema. Em Desonra ( Disgrace , 2008), o ator Steve Jacobs mostra que consegue, na direção, fazer justiça ao material.

O roteiro adaptado é de Anna-Maria Monticelli, que já havia escrito a estréia de Jacobs na direção, La Spagnola (2001). Monticelli preserva a essência do livro: professor de literatura tem um caso com uma aluna, é forçado a se demitir e então se muda para o campo, onde, ao lado da filha nascida de um casamento passado, passará por outra provação. Assim, resumidamente, a história não parece ter nada de anormal. São o contexto e o subtexto que fazem a diferença.

O contexto: estamos na África do Sul, ano não-definido da era pós-apartheid. Descendente dos holandeses, David Lurie (John Malkovich) age diante de seus alunos na Universidade da Cidade do Cabo, ainda que instintivamente, com uma atitude de colonizador. Força a aproximação de uma aluna, respeitosa mas insistentemente, garante-lhe boa nota em troca de relacionamento, mas, quando se vê atacado, a primeira coisa que faz é dizer à moça que ela terá que fazer a prova de fato e tirar nota com os próprios "méritos". Depois, quando se muda para o interior, a autoridade se inverte: David fica acuado, antes de mais nada (e também instintivamente), porque o interior é domínio dos negros.

Além desse contexto, há o subtexto. David não é um troglodita, pelo contrário, tem total consciência das suas pulsões. Os textos de Byron que ele ensinava na universidade já falavam sobre esse personagem cuja loucura não está na cabeça, mas no coração. Quando precisa se defender diante da direção da universidade, David se diz culpado, "um servo de Eros", mas se recusa a dizer que se arrepende: "Há coisas mais importantes na vida do que ser prudente". A principal questão do livro e do filme, a hora em que David se vê atacado em suas convicções, surge quando ele percebe que não é a única pessoa movida pelo desejo nessa história.

E aí Coetzee pergunta: aquele que erra, mas tem noção do erro, é melhor ou pior do que aquele que erra sem pensar?

Poderia sair daí uma lição um tanto moralista, mas Jacobs consegue domar o material e, principalmente, manter-se austero diante dele. A maioria dos momentos mais pesados - como os sacrifícios dos cães - não estão lá como castigo ou como catarse, e sim como símbolo da externalização do conflito que toma conta do protagonista. Não seria, ademais, o mesmo filme sem John Malkovich, que, curiosamente, entrou depois da desistência de Ralph Fiennes. Hoje seria difícil imaginar outra pessoa como David Lurie. O gestual lento e polido de Malkovich combina muito bem com o lado intelectual do personagem, e suas explosões de temperamento casam com o lado sanguíneo.

Malkovich é essencial, mas não custa lembrar que a história depende do cenário. Tanto que Jacobs encerra o filme com uma panorâmica da terra seca e acidentada do interior sul-africano, terra em que a lei natural impera e a chamada lei dos homens ainda se confunde com segregação.

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