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Crítica

Gloria | Crítica

Drama de recomeço na meia-idade se confunde com a realidade do Chile

30.01.2014, às 17H00.
Atualizada em 12.11.2016, ÀS 00H02

O filme chileno Gloria, que deu a Paulina García o Urso de Prata de melhor atriz no Festival de Berlim em 2013, não difere muito de outras histórias de recomeço pós-divórcio. Talvez seu diferencial esteja não na história em si, mas no contexto, em como esse pequeno caso de autoafirmação na meia-idade se confunde com um choque de gerações e uma mudança comportamental no Chile hoje.

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Já faz dez anos que Gloria se separou, e percebemos nos detalhes (dois óculos iguais, um azul e um vermelho, para cada situação, por exemplo) que ela mantém uma rotina bem estabelecida de cinquentona solteira, que divide trabalho e balada sem problemas. Seus filhos estão passando pelos mesmos dilemas amorosos que ela enfrentara antes, e Gloria tenta ajudar como pode. Quando conhece um homem recém-separado, que sustenta a ex-esposa e as filhas adultas, a protagonista se apaixona, mas ele não parece pronto para se desfazer de seus laços de provedor.

Mais drama do que comédia romântica, o filme se escora na atuação de Paulina García (cujo corpo não se esconde e cujo rosto a câmera do diretor Sebastián Lelio procura obsessivamente em cena) para perceber as pequenas vitórias e derrotas de Gloria, coisas aparentemente insignificantes como contar ao ex-marido, com uma ponta de revanchismo, que a filha dos dois está grávida. É um filme que faz a afirmação da mulher (o pavão surge ao final como símbolo para sacramentar isso) sem aliená-la.

Uma virada na metade de Gloria sugere, porém, que o caso da protagonista representa algo maior. Um diagnóstico de glaucoma e um frasco de colírio são os elementos literais de cena que incentivam o espectador a ver o filme com um outro olhar. As cenas de interiores dão lugar a tomadas na rua; vemos panelaços e manifestações vigiadas pela polícia. É um lembrete de Gloria não está, afinal, isolada no mundo e no tempo: é uma cinquentona em busca do amor no Chile no ano de 2013.

Ainda no começo, durante um jantar com amigos, discute-se que o Chile de hoje é uma "réplica" daquele do passado - de Allende, da revolução nas ruas - e que hoje a revolução se faz individualmente, espiritualmente. Lembrar que estamos diante de uma nação latino-americana típica, com seu histórico de patriarcado e ditadura militar (os esqueletos do passado, outra imagem a que o filme recorre), que em 2014 voltará a ser governada por uma mulher, certamente ajuda a vislumbrar no filme um sentido maior.

Em cena, o que temos é um discurso contra a alienação que coloca em dúvida a fuga do homem chileno (o cassino, a bebida, o retiro em Viña del Mar, o prazer infantil do paintball). O exílio continua sendo um tema doloroso - literalmente, num momento de despedida no aeroporto - mas é preciso enfrentá-lo. A autoafirmação da mulher promovida pelo filme é menos uma questão de guerra dos sexos e mais uma convocação geral para encarar a realidade.

Gloria | Cinemas e horários

Nota do Crítico
Ótimo
Gloria (2013)
Gloria
Gloria (2013)
Gloria

Ano: 2013

País: Chile, Espanha

Classificação: 14 anos

Duração: 110 min

Direção: John Cassavetes

Elenco: Gena Rowlands, Julie Carmen, John Adames, Buck Henry, Lupe Garnica, Jessica Castillo, Tom Noonan, Ronald Maccone

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