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Crítica

Habemus Papam | Crítica

Nanni Moretti cria papa com medo de palco em sua sátira ao teatro do Vaticano

15.03.2012, às 20H00.
Atualizada em 21.09.2014, ÀS 14H36

A Gaivota, a peça de Anton Tchékhov concebida como comédia mas consagrada como drama, acompanha Treplev, um dramaturgo que tenta apresentar sua obra reflexiva no moralista círculo teatral russo, e fracassa diante de dogmas estabelecidos e da inércia geral. A Gaivota ocupa papel importante em Habemus Papam, e o tom trágico da peça repercute até o desconcertante final do filme de Nanni Moretti.

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Assim como Tchékhov, Moretti também tem gosto pela sátira que fica entre o trágico e o cômico. Imagens de arquivo mostram que João Paulo II acaba de falecer; o Vaticano realiza então o seu conclave para escolher o novo papa. Há favoritos vindos da América do Sul, da Alemanha, da Itália, mas, votação após votação, os cardeais não conseguem chegar a um consenso. A solução é eleger alguém que agrade a todos: um senhor cuja presença mal se percebia no conclave, chamado Melville (Michel Piccoli). O problema é que Melville não está preparado para ser o novo papa.

A trama do filme transcorre durante os dias de incerteza em que o escolhido, depois de um ataque de pânico que o impediu de assumir publicamente o papado, consegue fugir pelas ruas de Roma, enquanto o restante dos cardeais fica preso no Vaticano - afinal, até que o conclave se consume, a Igreja proíbe seus membros de deixar a Santa Sé. Chamado para entender o que aflige o papa, um famoso psicanalista (papel de Moretti) termina também cativo no Vaticano.

Ao dividir a ação entre o que acontece com Melville na rua e a dinâmica do psicanalista com os cardeais, o diretor expõe os anseios geopolíticos velados do conclave (na simplista cena do jogo de vôlei dos cardeais divididos por continentes, onde Moretti coloca seu personagem para servir de árbitro) e, ao mesmo tempo, tenta nas perambulações de Melville encontrar o "homem" por trás da figura do papa.

Cineasta ateu, Moretti não está interessado em entender o "chamado" do sacerdócio. Como o Treplev de A Gaivota, Melville torna-se um agente do discurso do autor com a função de questionar a liturgia. Obviamente, há muito a discutir no modo como a Igreja Católica se fecha em si mesma, mas Habemus Papam limita seu alcance ao tratar, para fins cômicos, os cardeais como uma massa uniforme de idosos alienados.

A premissa de levar o papa ao povo - o próprio Melville diz em certo momento que a Igreja se distanciou da realidade de seus fiéis - seria um convite à demagogia, mas isso Habemus Papam evita. A grande sacada aqui, que faz a ponte com Tchékhov, é revelar que Melville sonhava ser ator - uma frustração da juventude, "já que eu era péssimo no palco", diz ele. O que o papa talvez não perceba (mas Moretti faz questão de dizer) é que o papado é também uma forma de encenação. São frequentes os planos que mostram os católicos diante da Santa Sé, um público à espera do ídolo, cuja sombra se move atrás da cortina (outra imagem saída do teatro).

Temos então um olhar sobre o papa como instituição e como ator, mas parece faltar algo anterior, sem o qual esses outros olhares ficam incompletos, que é entender a vocação. Como um italiano de esquerda que visivelmente se ressente com um Vaticano cheio de verdades no coração de uma Itália paralisada por incertezas, Moretti não acredita na vocação - uma miopia que um filme superior como Homens e Deuses não comete. Apesar da bela presença de Michel Piccoli, que atua na mesma chave descompasso-com-o-mundo de Vou para Casa (2001), Melville parece aqui só um velho que caiu no clero de balão.

Ao contrário de A Gaivota, Habemus Papam rende como comédia mas fica aquém como drama.

Habemus Papam | Cinemas e horários

Nota do Crítico
Bom
Habemus Papam
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Habemus Papam
Habemus Papam

Ano: 2011

País: Itália, França

Classificação: 12 anos

Duração: 102 min

Direção: Nanni Moretti

Roteiro: Nanni Moretti, Francesco Piccolo, Federica Pontremoli

Elenco: Nanni Moretti, Michel Piccoli, Margherita Buy, Renato Scarpa, Roberto Nobile, Jerzy Stuhr

Onde assistir:
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