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As Bicicletas de Belleville | Crítica

Animação homenageia Jacques Tati em divertida mistura de nostalgia e metalinguagem

15.04.2004, às 00H00.
Atualizada em 21.09.2014, ÀS 13H16

As bicicletas de Belleville
Les triplettes de Belleville

França/Belgica/Canadá/ Inglaterra, 2003
Animação - 78 min.

Direção: Sylvain Chomet
Roteiro: Sylvain Chomet

Vozes: Betty Bonifassi, Lina Boudreault, Michèle Caucheteux, Jean-Claude Donda, Mari-Lou Gauthier, Charles Linton, Michel Robin, Monica Viegas

Há um humor em extinção. Trata-se daquela comédia física elegante, de gags paulatinas e inventivas, de pouco ou nenhum diálogo, mas que esconde em suas entrelinhas uma eloqüente visão crítica do mundo. É o humor de Monsieur Hulot, a criação mais célebre de um mestre do gênero, o francês Jacques Tati (1909-1982). Se esse tipo de riso caiu em desuso, talvez seja pelo fato dos dias grosseiros atuais não aceitarem mais aquela defesa desengonçada da ingenuidade, contra o consumismo e a modernização insípida do cotidiano.

Por outro lado, se um longa de animação quase mudo, como o francês revivalista As Bicicletas de Belleville (Les Triplettes de Belleville , 2003), consegue cativar o mundo e ser indicado ao Oscar da categoria, ainda há salvação para a humanidade.

Trata-se de uma obra escorada na tradição de Tati. Repare na trama: depois de treinar com apito em punho o seu neto ciclista para a famosa Tour De France , a velhinha Madame Souza o vê seqüestrado durante a corrida por mafiosos ítalo-americanos; atravessa, então, o oceano acompanhada por seu cachorro Bruno em um pedalinho, chega a Belleville, consegue o auxílio de idosas trigêmeas cantoras de cabaré e tenta libertar o ciclista escravizado numa arena clandestina de apostas.

Estreante em longas-metragens, o animador Sylvain Chomet põe em prática tudo o que aprendeu em quarenta anos de vida e duas décadas de devoção aos quadrinhos e aos desenhos. Assim, o visual já espanta, de cara, pela mistura impressionantemente harmoniosa entre o tradicionalismo artesanal e os artifícios tridimensionais.

A sua temática nostálgica também se evidencia logo na introdução: um número de cabaré típico dos anos 30 é desenhado com os mesmos traços em preto-e-branco dos clássicos da época. Fica igualmente latente a sátira aos norte-americanos gordos e comilões - idéia que Chomet já desenvolvia no seu curta anterior, La Vieille dame et les pigeons (1998) - e aos tipos consagrados de Hollywood, como os mafiosos e os seus capangas motorizados. Sobra até uma gozação com a chuva de sapos de Magnólia (de Paul Thomas Anderson, 1999).

E a animação não se limita a resgatar o tema clássico de Hulot, a aversão à selvageria industrial. Chomet faz questão de citar os trabalhos de Tati. No quarto das trigêmeas - as triplets do título original -, o pôster de As Férias do Monsieur Hulot (Les Vacances de M. Hulot , 1953) está pendurado na parede. Na cama, as irmãs se esbaldam de rir assistindo a Escola de Carteiros (LÉcole des facteurs, 1947), um dos melhores curtas do diretor. E a engenhoca que mantém ciclistas pedalando na arena de apostas foi evidentemente inspirada nas bicicletas adaptadas que ensinam os carteiros a pilotar no curta.

"Mas se sobram referências e curiosidades, o que faz da animação algo distinto?", você pode perguntar. Pois em nenhum momento as citações suplantam aquilo que Chomet tem de mais autoral: as situações originais, as piadas inventivas, o carinho pelos personagens, a técnica bem lapidada e a narrativa tensa. Além disso, o animador toma tão bem a apologia da simplicidade para si que torna As Bicicletas de Belleville singular.

Pode não salvar o humor ingênuo, mas ao menos alimentará muito bem os seus fãs.

Nota do Crítico
Bom
As Bicicletas de Belleville
Les Triplettes de Belleville
As Bicicletas de Belleville
Les Triplettes de Belleville

Ano: 2003

País: França, Canadá

Classificação: 10 anos

Duração: 80 min

Direção: Sylvain Chomet

Roteiro: Sylvain Chomet

Elenco: Béatrice Bonifassi, Lina Boudreau, Michèle Caucheteux, Jean-Claude Donda, Mari-Lou Gauthier, Charles Linton, Suzy Falk

Onde assistir:
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