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Crítica

Matrix Reloaded | Crítica

Busca por conclusão é angustiante

22.05.2003, às 00H00.
Atualizada em 29.06.2018, ÀS 02H42

No fim de Matrix (de Andy e Larry Wachowski, 1999) Neo (Keanu Reeves) consegue enxergar o verdadeiro mundo virtual - uma combinação esverdeada de complexos códigos binários -, derrota os inimigos em combate e finalmente liberta a sua mente de modo pleno. Mas quando discursa triunfante, "não estou aqui para dizer como tudo termina, mas como começa", o Predestinado sela não apenas a própria sorte, mas também o destino da obra como um todo.

O que era uma concisa e bem definida ficção científica se tornou uma avalanche. Números, especulações, tentáculos. Seria redundante repetir isso aqui, uma vez que a autopromoção silenciosa dos irmãos Wachowski funciona melhor, na persuasão e no convencimento, do que as engrenagens de uma matrix manipuladora. O que vale ressaltar é que a avalanche inicial transformou Matrix Reloaded (2003) em um dos filmes mais ambiciosos e esperados de que se tem notícia.

Assim, não há maneira de julgar o segundo episódio da trilogia, senão com uma rígida comparação em relação ao original. Você não verá aqui qualitativos do tipo "boa pedida para o sábado à noite". Os efeitos são um primor? Com certeza, de deixar mutantes no chinelo. As perseguições são as melhores já vistas? Sim, fenomenais. Os figurinos ditarão moda de novo? Provavelmente. Carrie-Anne Moss continua linda? Muito! As lutas são bacanas? Dignas de Bruce Lee. O aclamado "duelo de Neo X 100 Smiths" é antológico mesmo? Sem sombra de dúvida...

Mas a ambição de Reloaded exige uma análise mais criteriosa. Vamos a ela.

Plasticidade e limpidez

Na cabeça dos irmãos Wachowski e do produtor Joel Silver, uma continuação deveria ser, pela lógica digital, um upgrade. Efeitos potencializados, ação mais vertiginosa, pancadaria multiplicada, além de metáforas e simbolismos aprofundados. Acontece que o resultado não tem as arestas aparadas. Sobram excessos, dos mais variados. E como o filme original tem tudo no lugar, deduz-se: Reloaded não é tão bom quanto Matrix. Mas onde estão os exageros?

Primeiramente, deixa-se claro: o que faz de Matrix uma obra-prima não é o bullet-time, mas as insinuações filosóficas ligadas às questões do mundo cibernético. Não há avanço tecnológico que substitua uma história original e bem contada. George Lucas era a vanguarda dos efeitos em 1977, mas aqueles lasers coloridos só não são motivo de piada hoje porque o mito dos Jedis foi construído de maneira impecável. Alguém se lembra de O Passageiro do Futuro (The Lawnmower Man, de Brett Leonard), de 1992? Aquele "sexo virtual", exaltado na época, hoje é uma animação de quinta categoria.

E o primeiro pecado dos Wachowski é exatamente privilegiar o visual. Lembre-se do filme original. Os combates tinham uma certa razão de ser: ou faziam parte do aprendizado de Neo ou eram duelos mortais contra os agentes, vistos então como imbatíveis. Agora, como num legítimo filme de Kung-Fu, o herói luta de dez em dez minutos. Luta (longamente), sem maiores consequências, com um guardião da Oráculo, com os capangas de Merovingian, duas vezes com os Smiths. Oras, se ele é o Predestinado voador, que estremece a matrix e até ressuscita mortos, porque ainda precisa suar no embate corpo-a-corpo com mortais?

Felizmente, conta a favor de Reloaded o grande senso estético de Wachowskis e cia. Praticamente todas as cenas possuem algum elemento digitalizado, mas isso não transforma o filme num caleidoscópio rococó como a nova trilogia do deslumbrado George Lucas. Pelo contrário: aqui a plasticidade e a limpidez destacam as belas imagens. Estão todas no trailer, é verdade, mas não deixam de ser belas.

Filme pornô

Abordadas a estética e a sedução das Artes Marciais, vamos à intelectualidade, outro aspecto que sofre com os excessos. No primeiro filme, Morpheus era a voz da razão e pairava sobre os demais com os seus ensinamentos. Agora, todos os personagens têm algo "inteligente" a dizer sobre liberdade, fé, escolha, poder, livre-arbítrio, destino... A filosofia virou um fetiche. Obviamente, a redundância com que frases de efeito são engatilhadas (algumas são de fato bem elaboradas) causa um desgaste. Ou alguém acha que Morpheus tem um lampejo de genialidade quando diz, e Niobe repete: "Algumas coisas nunca mudam, outras mudam"?

Quer outro retrato dessa deturpação, a título de curiosidade? No primeiro filme os franceses apareciam na citação do pensador Jean Baudrillard, autor do ensaio Simulacro e Simulação. Em Reloaded, o povo francês é representado pelo desprezível escroque Merovingian - que inclusive faz questão de proferir uma irônica piadinha idiomática. Merovingian, aliás, também não dispensa um bom discurso. Em certos momentos, essa retórica toda tem um efeito maligno: faz com que Reloaded se comporte como um filme pornô. Ou seja, o espectador médio quer que o falatório raso acabe e venha logo a "ação".

Qual o efeito de mais esse exagero? O diálogo mais crucial da película, entre Neo e o Arquiteto, é tão hermético e rebuscado, passa tão ligeiro, que fica difícil acompanhar o raciocínio dos personagens.

Nem tudo é defeito, lógico. O lado religioso da teoria wachowskiana é bem acentuado. Morpheus é, mais do que nunca, o líder cego pela crença. Neo é, mais do que nunca, o ícone messiânico. E a sequência da festa regada a sensualidade e música eletrônica em Zion é emblemática. Não contrapõe apenas o afeto humano versus a frieza das máquinas. Sugere, também, que os desplugados se tornam alienados diante de uma voz de comando e respondem apenas aos desejos carnais inerentes à natureza humana. Existem na cidade-refúgio, inclusive, duelos de poder e ideológicos entre os comandantes de naves e conselheiros. Sob essa ótica, a rotina fora da Matrix se torna, por si só, potencialmente explosiva. Interessante...

Por fim, tomara que os (vários) nós sejam bem resolvidos no derradeiro Matrix Revolutions. Por enquanto, o resultado deixa sérios pontos-de-interrogação. Aos não-iniciados ficam os avisos de praxe. Tente assistir ao primeiro filme previamente, pois não há qualquer nota introdutória em Reloaded. E se você revoltou-se com a indefinição de O Senhor dos Anéis: As Duas Torres (Lord of the Rings: The Two Towers, de Peter Jackson, 2002), ou de qualquer outro "Episódio II", então cuidado... O "to be concluded" da trilogia Matrix é bem mais angustiante.

Nota do Crítico
Bom
Matrix Reloaded
The Matrix Reloaded
Matrix Reloaded
The Matrix Reloaded

Ano: 2003

País: EUA

Classificação: LIVRE

Duração: 0 min

Direção: Andy Wachowski, Lana Wachowski

Elenco: Helmut Bakaitis, Steve Bastoni, Don Battee, Monica Bellucci, Daniel Bernhardt, Valerie Berry, Ian Bliss, Liliana Bogatko, Michael Budd, Stoney Burke, Kelly Butler, Josephine Byrnes, Noris Campos, Collin Chou, Paul Cotter, Marlene Cummins, Attila Davidhazy, Essie Davis, Terrell Dixon, Nash Edgerton, Laurence Fishburne, Gloria Foster, David Franklin, Austin Galuppo, Nona Gaye, Daryl Heath, Roy Jones Jr., Malcolm Kennard, David Kilde, Randall Duk Kim, Christopher Kirby, Peter Lamb, Nathaniel Lees, Harry Lennix, Tony Lynch, Robert Mammone, Joshua Mbakwe, Matt McColm, Chris Mitchell, Steve Morris, Carrie-Anne Moss, Tory Mussett, Rene Naufahu, Robyn Nevin, David No, Genevieve O'Reilly, Socratis Otto, Harold Perrineau Jr., Jada Pinkett Smith, Montaño Rain, Adrian Rayment, Neil Rayment, Rupert Reid, Keanu Reeves, Hugo Weaving, Lambert Wilson, Cornel West, David Roberts, Shane C. Rodrigo, Nick Scoggin, Kevin Scott, Tahei Simpson, Frankie Stevens, Nicandro Thomas, Gina Torres, Andrew Valli, Steve Vella, John Walton, Clayton Watson, Leigh Whannell, Bernard White, Anthony Zerbe, Scott McLean, Anthony Wong

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