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Crítica

O Amor Custa Caro | Crítica

<i>O amor custa caro</i>

16.10.2003, às 00H00.
Atualizada em 10.11.2016, ÀS 05H04

O amor custa caro
Intolerable cruelty

EUA, 2003 - 100 min.
Comédia/romance

Direção: Joel Coen, Ethan Coen
Roteiro: Robert Ramsey, Matthew Stone, Ethan Coen, Joel Coen

Elenco: George Clooney, Catherine Zeta-Jones, Geoffrey Rush, Cedric the Entertainer, Edward Herrmann, Paul Adelstein, Richard Jenkins, Billy Bob Thornton, Julia Duffy, Jonathan Hadary, Tom Aldredge, Stacey Travis

Um filme mais do que cativante, Fargo (1996) tem em seu DVD alguns extras igualmente saborosos. Num deles, os diretores e roteiristas Ethan e Joel Coen participam do Charlie Rose Show. Em certo momento, depois dos entrevistados se dizerem surpresos com os Oscar obtidos pela película, Rose toca no assunto do parco apelo comercial da marca Coen. Afinal, apesar de cultuados, as obras da dupla não fazem dinheiro. Dos seis primeiros trabalhos, apenas Fargo deu lucro - Custou 7 milhões de dólares e arrecadou o triplo.

Diante do anfitrião do talk-show, Ethan e Joel riem, parecem despreocupados, fazem piada com o poder de superprodutores como Joel Silver, mas, no fim, a questão fica no ar. E alcançar o êxito nas bilheterias soa como um desafio.

Nos anos seguintes, os Coen lançaram O grande Lebowski (The big Lebowski, 1998) e E aí, meu irmão, cadê você? (O brother, where art thou, 2000) - ambos de perfil mais maleável, humor mais acessível - com razoáveis dividendos. Em 2001, o refinamento volta a aparecer com O homem que não estava lá (The man who wasnt there), filmaço, mas de baixo retorno financeiro, prejuízo próximo a 10 milhões de dólares. A questão de Rose continua a martelar.

E o grande passo dos Coen no sentido de uma linguagem comercial acontece agora. Saiu do forno pela bagatela de 60 milhões, e se chama O amor custa caro (Intolerable cruelty, 2003). Justamente uma comédia romântica, o gênero mais castigado com a porcaria costumeira de Hollywood. Aqui, o estilo da dupla continua o mesmo, mistura de absurdo com humor negro e violência caricata. Fica fácil, todavia, perceber, na trilha sonora melosa e em situações-clichê, uma preocupação diferente com o público-alvo.

Canastrices calculadas

George Clooney faz Miles Massey, advogado perito em separações litigiosas, que se extasia quando os ex-cônjuges de seus clientes acabam na miséria. Catherine Zeta-Jones faz Marylin Rexroth, uma viúva-negra profissional, que pula de boda em boda, de divórcio em divórcio, atrás da sonhada independência financeira. Caras-metades, enfim. Eles se conhecem em condição adversa. Massey destrói, no tribunal, o golpe mais ambicioso de Marylin. O problema é que o advogado se apaixona loucamente, a ponto de questionar toda a sua fútil existência.

Em todos os filmes dos Coen, boa parte da graça deve-se ao elenco bem dirigido e às tiradas bem sacadas. Entretanto, como o roteiro de O amor custa caro não consegue contornar estereótipos reprováveis do gênero - por exemplo, o assistente imbecil e bajulador que serve de escada para o humor do advogado -, a importância do casal de astros aumenta, e eles cumprem finamente a missão. A atual comparação feita entre Clooney e Cary Grant (1904-1986) serve como uma luva. Se o ator já era cool, agora pinta como um versátil humorista capaz de raras sutilezas e canastrices calculadas, igualzinho ao grande galã de outrora.

Na película, não há preocupações intelectuais, só diversão. Porém, nos instantes finais da projeção, o abuso das reviravoltas prejudica o timing do humor, uma das melhores ferramentas de Ethan e Joel . Quando o número de idas-e-voltas alcança o limite, o espectador ameaça alimentar uma perigosa indiferença diante dos finalmentes do filme. Assim, na sua ânsia de parecerem mais digeríveis, os Coen caem na mesma armadilha que vitima obras como Violação de conduta e Identidade.

Claro, uma vez que o espectador já está devidamente conquistado desde o primeiro sorriso de Catherine e a primeira meia-volta de Clooney, a falha não prejudica tanto. Como diz um chavão cada vez mais recorrente na imprensa, O amor custa caro ainda assim é melhor que 80% dos filmes em cartaz.

E a prova de que os Coen seguem fiéis às raízes fica expressa numa passagem hilária. Um sujeito asmático segura uma bombinha de ar numa mão e, com a outra, aponta um revólver contra Massey. Suga uma golfada de ar, ameaça atirar. Ameaça, respira, respira, ameaça. De repente, se confunde com as mãos - aponta a bombinha para Massey e se mata por engano com um tiro na boca. Uma situação clássica de humor, atualizada com perspicaz crueldade. Os Coen mudam, às vezes erram, mas ainda continuam os mesmos, felizmente.

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