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Hoje ganha força, graças ao fenômeno Michael Moore (Tiros em Columbine, Fahrenheit 11 de setembro), um tipo de documentário-panfleto. Não reivindica a imparcialidade jornalística, não analisa os fatos para tirar uma conclusão. Ao contrário, usa o sarcasmo, a retórica e a manipulação justamente para provar um ponto de vista preconcebido. Faz sucesso junto ao público, funciona como arma ideológica e sociopolítica, mas é discutível como documento.
Morgan Spurlock, por exemplo, tipo atlético e saudável, mora com a namorada vegetariana. Aos 33 anos, ele difere do perfil rotundo e adiposo da classe média dos Estados Unidos, também, por ser um nova-iorquino esclarecido. Tem tudo para fazer de Super size me - a dieta do palhaço (Super size me, 2004) - o documentário de estréia que protagoniza e dirige - um libelo irresistível contra o sedentarismo e a má alimentação. Ninguém indicaria a maior rede de comida industrializada do mundo como sinônimo de saúde, não é verdade? Spurlock entra com o jogo ganho.
Ele começa discursando contra o vício do colesterol, contra a progressiva engorda da população, escolhe justamente adolescentes obesos para entrevistar, exibe pinturas sinistras com o palhaço Ronald, faz piada com a propaganda dos fast-foods, cobre tudo com uma trilha sonora escolhida com esmero. E se oferece, em tom de zombaria, como cobaia de uma experiência: durante trinta dias, comerá no café, no almoço e no jantar apenas produtos do McDonalds.
E há uma cena específica, logo no começo do filme, que resume e reforça "muito tudo isso".
É a sequência mais importante, mais emblemática do filme. Segundo uma das suas regras, quando lhe oferecem o maior de todos os tamanhos, o Super size, com mais de um litro de refrigerante e 500g de batatas, Spurlock não pode recusar. Ele está no carro, pronto para o primeiro combinado sanduíche-refri-fritas extra grande da sua epopéia. Primeiro ele brinca com o quarteirão duplo com queijo. Depois de quinze minutos, mostra que metade das batatas ainda aguardam a vez. Leva mais vários minutos para terminar a refeição - e vomita tudo. Vomita pela janela do carro, a câmera faz questão de registrar.
Perceba que, a partir desse momento, mesmo sem querer, Spurlock conquista um argumento irrefutável: o seu estômago, que não possui opinião formada nem ambiciona vencer no mercado do cinema, rejeita a porção de comida que milhões de norte-americanos ingerem três, cinco, sete vezes por semana.
E o que era brincadeira para o espectador continua uma brincadeira, mas agora ganha contornos mais sérios. Aí A dieta do palhaço se torna indigesta de verdade. O cardiologista, a nutricionista, a gastroenterologista, o clínico-geral, os amigos e a namorada apontam os sintomas da degeneração física e tentam demover Spurlock da dieta. Mas ele - onze quilos a mais, hipertenso, fígado em decomposição, triglicerídeos nas alturas, crises de abstinência, dores de cabeça, tremores e indisposição sexual - segue bravo ao trigésimo dia.
Essa é a vantagem que Super size me leva em relação a Michael Moore. Não se trata de mera bravata. Aqui vale até a autoflagelação em nome do convencimento.
Ano: 2004
País: EUA
Classificação: LIVRE
Duração: 100 min
Direção: Morgan Spurlock