Rebecca tem raiva. Para se vingar daqueles mais interessados no paradeiro de Paris Hilton do que nas guerras que afligem o planeta, busca as imagens mais chocantes nos lugares mais inóspitos: “Quero que cuspam os seus cafés ao abrir o jornal de manhã”, explica ela.
Em Mil Vezes Boa Noite (Tusen ganger god natt, 2013), Erik Poppe explora esse ressentimento (baseado nas suas experiências como fotojornalista em zonas de guerra) e o insere dentro de um melodrama doméstico. Como uma fotógrafa disposta a revelar os horrores do mundo, que não tem medo de pegar carona com uma mulher bomba por uma grande imagem, pode se contentar com uma pacata vida no litoral irlandês pelo bem do marido e das filhas?
No retrato desse conflito existencial, Poppe não precisa de palavras. Segue Rebecca de perto e capta sua essência desde a primeira cena, quando a fotógrafa deixa o breu de um caminhão (iluminado apenas por feixes de luz em buracos de bala). Ela salta de câmera em mãos, visualiza o cenário de um funeral, acena cordialmente por autorização e dispara na sua ânsia por denúncia.
A sintonia entre a direção de Poppe e a atuação de Juliette Binoche tornam a experiência quase sensorial. Ele filma atmosfera - a aridez do deserto, a assepsia do hospital, a desolação da praia irlandesa, o conforto do lar -, ela sente o ambiente e compreende a sua personagem - a preocupação com a família, o gosto pelo trabalho, a inaptidão para viver em um mundo de amenidades sociais.
Com bons atores, (Nikolaj Coster-Waldau e a jovem Lauryn Canny, além de Binoche), Mil Vezes Boa Noite consegue tornar naturais até discursos levemente panfletários, quando seus personagens quase mudos enchem os pulmões para explicar os males do mundo. Seu trunfo, porém, está mesmo no silêncio. Poppe acredita no que filma e isso basta.
