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O Escafandro e a Borboleta

Julian Schnabel gasta seu repertório estilístico para nos botar do casulo de Jean-Dominic Bauby

03.07.2008, às 17H00.
Atualizada em 21.09.2014, ÀS 13H37

Colocar o espectador na posição do protagonista é o objetivo de toda narrativa dramática, mas como fazer isso plenamente quando o protagonista é alguém como Jean-Dominic Bauby?

Editor da revista Elle francesa, Bauby sofreu um derrame cerebral e perdeu sua locomoção. Tirava seu sustento do mundo das aparências e de uma hora para outra seu corpo se tornou um constrangimento. Dentro desse "escafandro", Bauby raciocinava normalmente, mas precisou aprender a se comunicar com o mundo de forma restrita. Mais exatamente, com o olho esquerdo. Piscar uma vez é "sim", duas vezes é "não".

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A história real de Jean-Dominic Bauby é diferente de outras tragédias por seu modelo de superação. Ele chegou a ditar um livro inteiro - as suas memórias, que dão nome ao filme - só de piscar. E aí volta-se à questão primeira: como O Escafandro e a Borboleta (Le Escaphandre et le Papillon, 2007) pode contar uma história dessas sem banalizar a condição de Bauby?

O diretor Julian Schnabel, em seu terceiro longa-metragem, o primeiro depois da consagração com Antes do Anoitecer (2000), começa com truques de câmera. Passamos o início todo do filme - Bauby, logo após o derrame, imóvel na cama do hospital - com uma única perspectiva subjetiva: a câmera fazendo-se passar pelo olho esquerdo dele, tentando entender o redor. Mudanças de lente e de foco ampliam o mal-estar, a sensação inicial que Schnabel nos impõe.

Demora mais um bom tempo até que tenhamos o contraplano, que vejamos o rosto do ator Mathieu Amalric (em atuação com a usual entrega). Na verdade, Schnabel só mostra o rosto torto de Bauby na metade do filme - não por acaso, no momento em que o personagem decide parar de ter pena de si mesmo, momento em que a "borboleta" sai do casulo. É um trajeto ético, acima de tudo, esse que o cineasta nova-iorquino divide conosco.

Ético não só na forma como nos aproximamos de Bauby, mas também dos seus familiares. A importância do toque perdido entre pai e filho, implícita na cena desta primeira foto ao lado. O momento de vazio em que o pai precisa aguardar silencioso no telefone as piscadelas traduzidas por uma enfermeira... A sensibilidade com que O Escafandro e a Borboleta trata todas as pessoas atingidas pela tragédia é bastante tocante. E não é uma emoção fácil, mas trabalhada, dura por vezes, como na hora em que a ex-esposa precisa servir de intérprete no telefone às confissões da namorada de Bauby.

É uma curiosa coincidência que O Escafandro e a Borboleta esteja estreando no mesmo dia de Do Outro Lado. O segundo levou o prêmio de melhor roteiro em Cannes em 2007, e o primeiro o de melhor direção, porque ambos chamam atenção para si mesmos, como se dissessem ao espectador "olha que genial essa solução de roteiro" ou "veja como eu uso a câmera nesta cena". É um filme francamente mais poético e menos choroso do que seus pares de gênero, mas quem não gosta de direção pesada pode se incomodar com a obra de Schnabel.

Já quem se conforta com demonstrações abertas de estilo - e é evidente a evolução do cineasta como esteta de cinema espetaculoso - pode até reconhecer que O Escafandro e a Borboleta é um filme sem igual.

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