Filmes

Crítica

O Porto | Crítica

A frontalidade habitual de Aki Kaurismaki é ideal, neste filme sobre imigrantes, para enxergar o outro, o diferente

01.03.2012, às 20H00.
Atualizada em 02.11.2016, ÀS 12H05

A questão da imigração ilegal na Europa não deixa de ter um componente estético. Árabes, africanos, caribenhos e ciganos do Leste carregam no rosto os traços fortes de suas culturas, com quem a Europa "branca" teme a miscigenação. A pureza racial é um dos delírios inconfessos desses ex-impérios em negação; ninguém tem coragem de olhar nos olhos dos outros e aceitar a diferença.

o porto

None

o porto

None

o porto

None

O Porto (Le Havre), comédia dramática do diretor finlandês Aki Kaurismaki (O Homem sem Passado, Luzes na Escuridão), seu segundo filme falado em francês depois de La Vie de Bohème, de 1992, passa-se em Le Havre, na França. É mais uma humilde região portuária como a Helsinque de Kaurismaki, populada por operários beberrões, cães largados e mulheres de boa vontade, seu tipo favorito de personagens e de cenário. Paisagens enferrujadas que, apesar do trânsito constante, não parecem mudar com o tempo.

A França, porém, ao contrário da Finlândia, está na rota dos imigrantes ilegais, como Idrissa (Blondin Miguel), garoto negro do Gabão que chega a Le Havre num contêiner e consegue fugir do inspetor local (Jean-Pierre Darroussin). Idrissa é um anacronismo ali, parece ser a única criança no Velho Continente. Ele acaba acolhido pelo engraxate Marcel Marx (André Wilms) - que mal ganha para se sustentar com sua mulher finlandesa (Kati Outinen) mas ainda assim decide juntar dinheiro para ajudar Idrissa a encontrar sua família, em Londres.

Esse tom de inocência e humanismo característico dos melodramas de Kaurismaki - mais leve que o humanismo severo de Terraferma, também de 2011 e que trata do mesmo assunto - ganha em O Porto uma outra dimensão, pela própria atualidade do tema, e é possível perceber alguns comentários irônicos que o cineasta faz sobre o estado das coisas na Europa Ocidental. A forma como ele retrata a Igreja e o Estado (as entidades mais velhas de um mundo velho), por exemplo, é engenhosa: quando o inspetor vai se consultar com o prefeito, parece que está entrando em uma sacristia. Igreja e Estado se equivalem na altivez e na omissão diante da realidade.

Sem aparo, só resta aos personagens uns aos outros. O estilo de filmar de Kaurismaki, sempre frontal, como se os atores estivessem posando para um retrato 3x4, reforça ao mesmo tempo o desamparo e o senso de coletividade. É uma tradição de proscênio, de teatro, que vem do cinema mudo (aliás, nestes tempos de O Artista, vale procurar o filme mudo e preto-e-branco de Kaurismaki, Juha, de 1999, que é muito melhor que o vencedor do Oscar) e que casa bem com a perplexidade que as situações de O Porto provocam.

Essa frontalidade é o que define o humanismo de Kaurismaki, e é esse "olhar nos olhos" - enxergar o outro diante do próprio nariz - que torna O Porto um filme tão direto e claro no tratamento dessa questão europeia dos imigrantes, um filme também sobre a estética da diferença.

O Porto | Trailer
O Porto | Cinemas e horários

Nota do Crítico
Ótimo
O Porto
Le Havre
O Porto
Le Havre

Ano: 2011

País: França

Classificação: 16 anos

Duração: 93 min

Direção: Ricardo Pretti, Luiz Pretti, Julia De Simone, Clarissa Campolina

Onde assistir:
Oferecido por

Omelete no Youtube

Confira os destaques desta última semana

Omelete no Youtube

Confira os destaques desta última semana

Ao continuar navegando, declaro que estou ciente e concordo com a nossa Política de Privacidade bem como manifesto o consentimento quanto ao fornecimento e tratamento dos dados e cookies para as finalidades ali constantes.