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O Sinal

Ricardo Darín estréia na direção com um filme noir à moda antiga

13.03.2008, às 16H00.
Atualizada em 21.09.2014, ÀS 13H34

A ruína de todo detetive de filme noir começa quando a mulher fatal entra pela porta de seu escritório. Essa ruína não tem mais volta a partir do momento em que os dois trocam o dramático primeiro beijo na boca. Em O Sinal (La Señal, 2007), o beijo entre Corvalán e Gloria acontece, não por coincidência, dentro de um cinema.

O período clássico do filme noir engloba os anos 40 e 50 - época em que está associado ao filme B e é considerado, pelos grandes estúdios de Hollywood, um gênero menor - e vai até 1958, ano em que sai A Marca da Maldade. A fria recepção ao clássico de Orson Welles na época se deve, aliás, à percepção de que era uma obra anacrônica de um gênero que já havia passado do auge.

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Puristas dizem que todo filme noir pós-58 já deve ser visto como releitura. Aí se encaixam exemplares daquilo que se convencionou chamar neo-noir: desde a exacerbação da perversão de Chinatown (1974) até a exacerbação da própria exacerbação da perversão em Veludo Azul (1986). O futurismo de Blade Runner (1982) e a desconstrução de Amnésia (2000) não deixam de ser, também, releituras do noir.

A cena fundamental de O Sinal acontece dentro de um cinema porque o astro argentino Ricardo Darín, neste seu longa de estréia como diretor (co-assinado por Martin Hodara), tem consciência do peso histórico que o gênero carrega. Esse peso aumenta porque o filme argentino não se propõe a reler o noir como os longas citados acima, e sim ser um noir respeitoso aos dos anos 50.

Não por acaso a trama se desenrola em 1952. Corvalán (Darín, conhecido do público brasileiro por ser o Filho da Noiva) trata, como qualquer detetive particular que tem seu nome nos classificados, de casos banais de infidelidade. Quando a bela e misteriosa Gloria (Julieta Díaz) lhe pede que persiga um homem, Corvalán não imagina que o caso lhe exigirá mais do que o normal. E quando percebe que se meteu numa enrascada, Corvalán está apaixonado demais para dar meia-volta.

O Sinal não foi feito em preto-e-branco nem tem aquele manjado narrador em off com a voz rouca de cigarro. Tirando isso, o filme é uma xerox do noir tradicional em todos os seus elementos - a ponto de antevermos os pontos de virada e até mesmo alguns diálogos, como quando o parceiro de Corvalán lhe diz: "Essa mulher é problema" ou "Você está tomando a decisão errada", apelos-chavões igualmente consagrados. Nos EUA dos anos 50 homens e mulheres se chamavam de "kid". A diferença no filme argentino é que o inglês "kid" vira o espanhol "pibe".

Darín e Hodara assistiram a muitos dos filmes que emulam, e nesse ponto há de se tirar o chapéu. O plano-sequência em close-up no revólver está lá, a música de Sinatra está lá, as mudanças de cena com fusão e sem tempos mortos também, assim como o velho tema da perversão. Corvalán é, como todo bom detetive de noir, um miserável que só precisa da menor justificativa - no caso, uma mulher - para atravessar linhas de conduta e entregar-se a baixos instintos.

Então a questão é: O Sinal só reverencia ou chega a contribuir ao noir? Questão complicada... Sob certo aspecto, o filme dá ao gênero um insuspeito tom político - tom político esse, afinal, que é o forte do cinema argentino dos nossos tempos. A trama só faz sentido em um contexto, a Argentina dos anos 50, auge do peronismo, e isso faz de O Sinal um noir único.

1952 é o ano de morte de Evita Perón. Quando falam mal do General Péron na sua frente, seu parceiro de casos surta, mas Corvalán fica impassível. Quando há alguma notícia no rádio do carro, ele desliga. Quando a multidão reza pela saúde de Evita, o detetive sai pela direita. A única cartilha argentina que o alienado Corvalán segue é a do machismo.

Estaria o detetive então mais do que os outros sujeito a ruir diante das tentações simplesmente por ser um tipo apolítico?

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