Filmes

Entrevista

Omelete entrevista: Hermila Guedes, atriz de O céu de Suely

Omelete entrevista: Hermila Guedes, atriz de O céu de Suely

16.11.2006, às 00H00.
Atualizada em 21.09.2014, ÀS 13H21
O Céu de Suely
Brasil, 2006
Drama - 90 min.

Direção: Karim Aïnouz
Roteiro:
Karim Aïnouz, Felipe
Bragança, Maurício Zacharias

Elenco:

Hermilia Guedes, João Miguel, Maria Menezes, Zezita Matos, Georgina Castro

Quando Hermila Guedes conversou com o Omelete, ela já havia assistido ao filme que protagoniza, O Céu de Suely, umas quatro vezes. Chorou em todas. Natural de Cabrobó, residente em Olinda, a atriz pernambucana não demora a mostrar seu apego pelo trabalho que faz, ainda que comece falando sobre ele de forma tímida.

O que apareceu primeiro: O Céu de Suely ou aquela participação em Cinema, Aspirinas e Urubus?

Primeiro Aspirinas, onde eu fiz a Jovelina. Acho que Karim [Aïnouz, diretor de Suely] viu o filme por causa de Marcelo [Gomes, o diretor de Aspirinas]. Os dois são amigos, e aí ele me chamou pra fazer um teste.

Antes disso você já tinha trabalhado com o Lírio Ferreira, não é?

É, trabalhei com Lírio na adaptação de vários contos de Gilberto Freire que eles fizeram em película, foram vários diretores. Eu já fiz cinco curtas, na verdade. Fiz o Entre Paredes, que ganhou vários prêmios, e com ele ganhei dois prêmios.

A sua formação é de teatro?

Eu comecei fazendo teatro no quintal da casa de um amigo pernambucano, chamado João Ferreira. Começou como uma brincadeira, meus amigos gostavam de teatro, era uma diversão mesmo. E dentro dessa peça que ensaiamos durante um ano, nos apresentamos poucas vezes. Daí apareceu um teste para fazer o curta O Pedido, com a diretora Adelina Pontual, e eu passei. Então eu fiz mais cinema do que teatro.

Nesse tempo deu para sentir a diferença entre atuar em cinema e no palco?

Para mim, acho mais fácil fazer cinema. Porque tenho muito medo de gente, fico nervosa com platéia. Acho câmera mais fácil - inclusive, você não precisa fazer muita coisa no cinema. Eu tenho uma linha meio introspectiva, então para mim é tudo mínimo. E isso era a minha dificuldade com teatro. Pegar a platéia, deixá-la na sua mão... Eu não sei fazer isso. Eu não sei atuar. E no cinema você pode não atuar. Você só precisa sentir, viver a situação.

E esse cinema de sensações já é uma particularidade de O Céu de Suely. Vocês foram para Iguatu - no sertão do Ceará, onde o longa se passa - antes do início das filmagens?

Eu passei dois meses e meio lá. Já havia um pessoal há 15 dias, Karim também chegou antes. Primeiro teve o processo de Fátima [Toledo, preparadora de elenco], ficamos dois meses com ela. E foi um mês e meio filmando. Mas eu cheguei um pouco depois porque no começo eu não era a protagonista.

Não?

A Georgina [Castro] é que faria o meu papel e eu ficaria com a personagem dela [o da prostituta amiga de Hermila]. Quando fizemos o primeiro teste com Fátima em São Paulo, eu não passei. Então eles repetiram os testes com duas outras atrizes e Georgina passou. Ela já estava em Iguatu muito antes de mim. Quando eu cheguei lá ela já estava num pique absurdo. E aí, no meio do processo, falei coisas - porque Karim levava a gente a locais onde seriam as locações do filme, e nós com as roupas das personagens, e ele filmando o ensaio, tudo o que acontecesse - e eu falei coisas de que ele gostou, coisas que ele achava que eram a cara da personagem. Deu uma louca nele e mudou tudo.

O que você acha que o fez mudar?

Não sei... Acho que Karim... Ele já tinha me conhecido antes de eu ter feito Aspirinas, em Recife, ele já tinha gostado do meu trabalho. E ele sempre diz isso, acho, de ter pensado sempre em mim para o papel. Só que ele não tinha certeza, porque ainda não tinha passado o processo de Fátima, ele achava que eu não iria conseguir. Tem coisas que acontecem lá na hora que não dá pra explicar... Encontros de falas, por exemplo. A gente não tinha acesso ao roteiro, então ensaiávamos com Fátima um diálogo inventado entre eu e Georgina falando sobre qualquer coisa. E um dia coincidiu: aquilo que eu falei de improviso casou com uma fala da personagem no roteiro, que ele tinha escrito. Então foi uma loucura... As pessoas começaram a achar que eu tinha roubado o roteiro. (Risos) Acho que o universo conspirava.

Comecei a acompanhar o trabalho da Fátima Toledo depois do que ela fez em Cidade Baixa, transformar Lázaro Ramos e Wagner Moura, fazer desaparecer a figura dos astros já conhecidos e aparecer só os personagens. É muito difícil passar pelo processo dela?

Para mim, especialmente, foi bem mais difícil. Porque ela trabalha com físico, com exaustão, um trabalho punk de exercício. E eu tenho um problema no joelho, então sofri muito. Eu não conseguia me concentrar, então meio que resisti um pouco ao processo, porque eu só sentia dor. Quando chegamos a um ponto em que fosse bom pra mim e para ela, comecei a pegar melhor o processo. Ao mesmo tempo, ainda é muito dolorido, porque ela busca memória afetiva, feridas que você acha ter curado há muitos anos. Aquilo que você bloqueou no inconsciente ela faz voltar tudo.

Ela te direciona a usar essas memórias na composição da personagem?

Na composição da personagem. São sensações fortes, difíceis de viver novamente, mas necessárias para o filme. Usar isso em situações parecidas ou que você acha que cabe. Usar a seu favor. Não situações literais, vividas. Por exemplo, eu tinha traumas de infância, de vivências com a minha mãe. Daí, fazíamos o trabalho em que a Hermila/Suely deixa tudo, e vai embora. E eu não conseguia deixar a mãe, eu sempre chorava muito, desesperadamente. Então ela tentou trabalhar para que eu, Hermila, tivesse forças para deixar a família, ir embora, como a Suely. Ela tentou me trabalhar para isso.

A cena da macarronada, quase no fim do filme, deve ter sido difícil de fazer.

Nessa cena, a gente já estava se despedindo, porque Karim decidiu filmar na ordem do filme. E a gente não tinha acesso ao roteiro, era tudo no improviso, mas em alguns momentos ele tentou inserir algumas falas, também para a gente não repetir o que talvez já tivesse dito antes. E aí, ele lendo o roteiro, o que eu diria na cena para a avó, Karim não conseguiu. Porque ele se emocionava bastante, todo mundo se emocionava, estávamos nos despedindo do filme, nos despedindo das pessoas, daquilo, daquela família. Na cena da macarronada foi assim. Come e não fala nada. Eu só conseguia comer e chorar.

E até que ponto vocês tinham espaço para improvisar?

É total. Tem falas que são bem coisa do ator. Por exemplo, naquela cena no trilho do trem, em que o João Miguel vai atrás dela, ela diz não me procura mais, e ele fala eu não tô entendendo mais nada. Isso é bem dele: ele não estava entendendo nada mesmo, nós não tínhamos noção do que acontecia naquela cena. Agora, foi Karim quem montou a personagem. Eu dei muito pouco. Ele já imaginava, ou sabia, o que ele faria com aquilo tudo. Ele é muito exigente, não no sentido de carrasco, mas no sentido de perfeccionista. Naquela cena da expulsão da avó eu fiz oito takes, acho, ou quase isso. E ele estava filmando de várias maneiras, sempre colocando a câmera não sei onde. Ele pensa muito. Não tenho o que falar de Karim... Ele é certeiro. E ele não gosta de ensaio técnico, mas de ensaio verdadeiro. Se tem que chorar agora então vamos chorar de verdade - o que você quiser fazer, tem que ser real.

No filme é evidente o que ela sente pelo Mateus, mas que tipo de sentimento ela tem pelo João?

Eu acredito que sempre passa pela cabeça da mulher que ela pode se aquietar, ficar com um cara que goste dela, por mais que ela não goste dele. Acho que ela viu o João assim: Já que não tem Mateus, vou tentar a vida aqui com ele. Só que João não era mais a pessoa que cabia na vida dela, ele meio que estagnou para ela, ele não vai passar daquilo. E ele nunca vai sair daquele lugar, mesmo que junto com ela. E ela quer fazer outro caminho.

Se ela tenta ficar, em que ponto você acha que ela decide mesmo sair?

Acho que aquele lugar serviu para ela enquanto ela achou que Mateus viria. Porque onde você está com o seu amor você está bem. Mas daí ela viu que ele realmente não voltaria, e aquele lugar deixou de ser importante, a família mesmo não era tão importante. Quando ela vê que a cidade está meio contra ela, a Suely percebe que não pertence àquele lugar.

Como foi a sensação de participar da exibição do filme em Veneza?

Foi muito louco, primeiro pelo protocolo. Você chega, tem aquele tapete vermelho, então pára para dar tchau às pessoas que ficam esperando as estrelas... (Risos) Pára um pouco, tira foto, dá tchauzinho, daí entra... É muito engraçado. Agora, o cinema é imenso, a tela é linda, estava cheio de gente. Karim sentou do meu lado, depois de um tempo disse não aguento, depois eu volto, e no final volta ele, tenso, eu também. Eu perguntava para o Marcos Pedroso, diretor de arte: Marcos, se as pessoas não gostarem elas vão vaiar?. (Risos) Sei lá, você não sabe o que esperar, era a primeira exibição do filme. É um medo terrível. Mas foi lindo, emocionante. Eu chorei... Eu sou muito de chorar, é normal. (Risos) As pessoas pediam autógrafo, tiravam foto. Era muito louco.

E você sentia que as pessoas se emocionavam?

Sim. Aqui em São Paulo uma menina chegou para mim, aos prantos... Acho que é um filme que toca as pessoas, é muito emocional. Porque fala de uma pessoa que não é tão distante de você. Todo mundo tem um sonho, todo mundo ama, todo mundo apanha na vida.

O que vem agora? Você já terminou de filmar com o Cláudio Assis?

Já terminei o filme do Cláudio, e o do Paulo Caldas, que é o diretor de Baile Perfumado. Foi um atrás do outro. Filmei em janeiro o de Paulo e em fevereiro o de Cláudio. Agora estou morrendo de medo, porque são duas personagens muito parecidas, duas prostitutas, uma urbana e outra do interior. Assim: no filme de Cláudio é mais tranquilo, porque eu tenho só duas cenas. No filme de Paulo eu tenho mais. E foi bem difícil pra mim. Depois do filme de Karim, papel de protagonista, eu achava que ia ser fácil, que eu já era expert. (Risos) Que nada. Eu estava muito nervosa. Mas depois me acostumei. No filme de Paulo a personagem é maravilhosa. Quem roteirizou foi Marcelo Gomes.

Você guarda as experiências de um filme na hora de partir para outro?

Tá tudo muito embolado ainda, mas o processo de Paulo é muito parecido com o de Karim. O de Cláudio é diferente, as pessoas estavam atuando para a câmera. E eu não sei atuar para a câmera, onde está a luz, eu não sei. Com Karim é fácil, você pode fazer o que quiser e ele vai registrar tudo. Você só vivia aquilo. É um jeito mais tranquilo, mas é mais caro também, ter rolo para fazer cinco takes diferentes de cada vez. (Risos) Com Paulo foi muito tranquilo, era tudo take único. Dá um medo, você nunca sabe se ficou bom, mas se o diretor diz que ficou bom é porque ficou. Você vai duvidar do diretor? Não! (Risos)

Você pensa em trabalhar com Karim de novo?

Eu quero, só não sei se ele quer! Agora o Marcelo Gomes fica reclamando, ah, você roubou a atriz do meu próximo filme!. Eu digo que dá para trabalhar com tudo mundo, e ele brinca: não, não quero mais, você já passou pela mão de tudo mundo! (Risos) Depois ele me chama para fazer uma pontinha e tá tudo certo.

E fazer alguma coisa dentro do eixo, filmar em São Paulo?

Eu gostaria de viver essa experiência, até porque tudo é aprendizado, tudo é superação também. E eu acho que vale a pena, mesmo que seja pra quebrar a cara, ficar mais nervosa do que eu normalmente fico. Acho que vale a pena viver isso.

Um jeito meio Suely de viver.

É, se jogar.

Leia outros artigos sobre O céu de Suely

Omelete no Youtube

Confira os destaques desta última semana

Omelete no Youtube

Confira os destaques desta última semana

Ao continuar navegando, declaro que estou ciente e concordo com a nossa Política de Privacidade bem como manifesto o consentimento quanto ao fornecimento e tratamento dos dados e cookies para as finalidades ali constantes.