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Entrevista

Omelete entrevista: Morgan Spurlock

Omelete entrevista: Morgan Spurlock

20.08.2004, às 00H00.
Atualizada em 07.11.2016, ÀS 22H04
"Super Size Me é uma mistura
de Jackass e Michael Moore"
"Eu não digo "nunca mais vá ao McDonald´s". Quero é que você pense no que você está fazendo, fique esperto"
"Todas as outras empresas de fast food copiam o que o McDonald´s faz"
"Ir ao cinema é uma experiência muito mais gratificante do que ficar sentado na frente do micro. Vá procurar uns pornôs, isso sim é que é diversão na internet"
"Da próxima vez que uma pessoa for ao McDonald´s e o atendente oferecer um tamanho grande, você poderá dizer ‘não, o médio tá bom para mim"
Morgan Spurlock é uma figuraça. Tão magro como quando começou a filmar Super Size Me - A dieta do palhaço, ele veio ao Brasil para participar do Festival de Cinema de Brasília. Depois de passar pela capital federal e pelo Rio de Janeiro, deu uma passada por São Paulo, onde recebeu a reportagem do Omelete para um divertido bate-papo. Spurlock não tem medo se autocomparar a Michael Moore, outro americano que está fazendo história com os seus documentários, e muito menos do Ronald McDonald... embora sua experiência ao lado do palhaço tenha sido um tanto quanto traumática. Confira agora os melhores momentos da conversa com o diretor, ator e cobaia Morgan Spurlock:

Para começar, você pode passar algumas das estatísticas que você fala em seu filme?

• Dois terços dos americanos são obesos.

• Um em cada quatro americanos come fast food todos os dias.

• Uma em cada três crianças que nascem hoje nos Estados Unidos terão diabetes durante suas vidas devido à atual forma que se come e vive no país.

• O McDonald´s representa 43% do total do mercado de fast food.

• Em 1970 nós gastávamos 3 bilhões de dólares em fast food e hoje são gastos 115 bilhões por ano.

A MTV Brasil não exibiu seu show I bet you will por aqui. Você pode falar rapidamente como era e de onde surgiu a idéia?

Foi o primeiro programa a sair da Internet e ir para a TV nos Estados Unidos. Basicamente, nós apostávamos com as pessoas que elas não fariam certas coisas e quem fazia, levava a grana. Por exemplo, eu paguei 700 dólares para um corretor de ações pelo terno dele. Eram 8h da manhã, o cara estava indo trabalhar e deixei o cara na rua só de cueca e sapato. Coisas singelas como estas. hahaha

Porque foi cancelado?

A MTV te usa até cansar. Nós fizemos 53 episódios em 6 meses. Em qualquer outra emissora, isso seria o equivalente a 2 anos. Na MTV, ficamos no ar uns 4, 5 meses. A ideologia deles é passar as mesmas coisas milhares de vezes, mas as pessoas acabam se cansando. Enfim, esta a mentalidade deles.

No começo do filme, quando você vai comer sua primeira McRefeição, um quarteirão duplo com queijo, você parece estar bastante feliz, mesmo sabendo que isso vai fazer muito mal para sua saúde. É uma atitude meio Jackass , não?

Acho que este é um dos motivos porque a molecada adorou o filme nos Estados Unidos. É meio que uma mistura de Jackass e Michael Moore [diretor de Tiros em Columbine e Fahreneit 11 de setembro].

Você disse em outras entrevistas que o filme é contra a cultura dos fast foods, não contra o McDonald´s especificamente. Por que você decidiu centrar fogo em apenas um lugar?

Se eu tivesse comido toda a gama de fast foods com certeza eu também teria passado mal. Mas sendo assim, o McDonald´s continuaria dizendo "você não pode provar que foi a nossa comida que te deixou doente". E também, eu queria pegar a companhia que tem maior influência. O McDonald´s é gigante. Todas as outras empresas de fast food copiam o que eles fazem. McDonald´s inventou os tamanhos Super (super size) e logo todas as demais também tinham esta opção. McDonald´s começou a vender chicken McNugget e em pouco tempo, todos vendiam chicken nuggets . Então, eu queria pegar a empresa que na minha opinião poderia fazer as coisas mudarem o mais rápido possível em toda a indústria, se eles quisessem.

Não só vendendo McSalads.

Exato. Não só vendendo McSalads e dizendo que eles estão pensando em mim.

Você sabia que o Burger King está para entrar no Brasil?

Pois é, eu ouvi dizer. O que você acha disso?

Bom, eu gosto do Whopper [sanduíche típico da lanchonete], mas ainda assim não pode ser chamado de "refeição".

Exato. Eu não estou falando para você não comer um BigMac. Eu não digo "nunca mais vá ao McDonald´s". O que eu quero dizer é pense no que você está fazendo, fique esperto. Como os nutricionistas dizem, fast food pode ser comida uma vez por mês. E olhe lá. Eu não como mais fast food porque, para mim, há vários outros lugares melhores para se comer e que são rápidos! Aqui mesmo no Brasil, nós estávamos andando na rua e tinha um lugar onde você poderia comer arroz, frango, vegetais, feijão, salada e uma bebida por uns 5 dólares (15 reais). Caramba, é um ótimo negócio! Pra que ir ao McDonald´s se você pode comer algo fresco num lugar destes?

Você ouviu falar das churrascarias que nós temos aqui no Brasil?

Claro! Nós fomos ao Porcão em Ipanema.

E como foi?

Foi fantástico! Eu adoro carne e porco, então eu estava no paraíso. Mas Alex [namorada de Morgan - vegetariana] não estava tão feliz assim. hahaha Mas ela comeu do buffet de saladas, que era bem legal.

Você já está pensando em um segundo filme?

Sim, há alguns filmes roteirizados que eu pretendo fazer e outros documentários. Mas eu gostaria de fazer um filme com roteiro antes de voltar aos documentários.

Posso tentar adivinhar qual seria o seu próximo alvo?

Pode tentar, mas não vou se você está certo ou não. hahaha

Bom, acho que a Coca-Cola seria uma boa porque tem gente aqui no Brasil que é mais viciada em Coca do que em McDonald´s, pessoas que começam a beber já no café-da-manhã.

Pois é, eu conheço pessoas que bebem o dia inteiro. Eles tomam Coca em vez de água. Com certeza seria um bom filme e eu acho que até que já tem um pessoal fazendo um documentário.

Os refrigerantes são outra causa da obesidade, sem dúvida. No Rio, eu conheci uma mulher e ela e seus filhos eram bastante gordos e eu vi que na mamadeira do nenê tinha Coca. E isso acontece no mundo todo. Tem pais nos Estados Unidos que colocam Fanta na mamadeira e depois dizem "ah, é suco de laranja".

Quanto dos 65 mil dólares do orçamento você gastou no McDonald´s?

788 dólares. Mas se eu tivesse feito compras no supermercado e preparado minha comida em casa, seria o suficiente para comprar comida para dois meses.

E o resto do dinheiro, como foi gasto?

Mais ou menos metade dos gastos foram com viagens. Nós viajamos para 15 Estados, enquanto fazíamos o filme e acabávamos gastando com hotéis, aluguel de carro e passagens.

O que você procurava em cada Estado?

Texas tinha a cidade mais gorda. Foi lá que nós filmamos a clínica de cirurgias do estômago. Califórnia como o mais saudável. Em Ohio, onde Wendy´s [outra cadeia de fast food ] começou, há muita gente gorda por lá porque é uma área com muitos carros e poucos pedestres. Em Wisconsin nós entrevistamos Don Gorske , que é o cara que está chegando aos 20 mil Big Macs agora, desde 1972. Em Michigan, nós filmamos um casal que coleciona bugigangas do McDonald´s e têm tanta coisa que tiveram que comprar uma outra casa para deixar a parafernália. Isso teve de ficar fora do filme, mas vai estar no DVD.

O que você tem preparado para o DVD?

Nos temos uma entrevista com Eric Schlosser, o autor do livro O país do fast food (Ed. Ática). São 25 minutos de papo com ele, várias cenas deletadas, filmagem adicional. Tem mais de uma hora de extras.

Você gosta do jeito que está?

Fazer um filme é como pintar um quadro. Você poderia trabalhar nele sua vida toda. Chega uma hora que você tem de dizer ‘quer saber? Chega! Eu poderia fazer uma nova montagem e, de acordo com novos acontecimentos, mudar o que está lá, mas a verdade é que chega uma hora que você tem que parar.

O que eu cheguei a fazer é uma versão um pouco diferente para as escolas, porque nos Estados Unidos, nós somos bastante puritanos em vários sentidos, então eu tirei as linguagem mais pesada, o que não é muito, e também cortei a parte em que Alex fala da nossa vida sexual.

Mas vocês colocaram um bipe em cima, ou cortaram mesmo?

Para os palavrões, só colocamos um bipe em cima, a parte da Alex foi tirada mesmo. Esta nova versão foi feita para que nós pudéssemos entrar nas escolas. Para mim, é muito importante que o filme seja exibido nas escolas.

Sobre a parte em que Alex fala sobre a vida sexual de vocês, foi difícil a decisão de colocar isso no filme?

Era algo importante para o filme. Eu me lembro de Scott, o diretor de fotografia, chegou depois de entrevistá-la e me disse ‘você não tem idéia do que eu tenho aqui. Eu nunca estava junto com ela quando eles a entrevistavam, para deixá-la mais à vontade. Eles colocaram a fita na sala de edição e as minhas editoras - ambas eram mulheres - ficaram olhando para mim e dizendo ‘você não pode colocar isso no seu filme e eu só respondia ‘você tá louca? Isso TEM de entrar!. Porque para mim, o mais importante era ser honesto com o espectador e como era algo que realmente estava acontecendo comigo, aquilo tinha de ser mostrado e discutido.

O que você acha das pessoas que estão baixando seu filme pela Internet?

Para mim, o mais importante é que o filme seja visto pelo maior número de pessoas. Mas pode apostar que os distribuidores não vão ficar nem um pouco felizes se o filme for baixado via Internet. E eu não acho que eles estão errados. Eles pagaram bastante para levar o filme até o cinema.

Mas para você, o mais importante é que as pessoas vejam.

Sim, mas isto é um filme e deve ser visto no cinema. Não acho que as pessoas deveriam ver filmes baixados pela internet. Estamos falando de produtos que foram idealizados para o cinema. Ir ao cinema é uma experiência muito mais gratificante do que ficar sentado na frente do seu computador. Vá procurar uns pornôs, isso sim é que é diversão na internet. Este é o meu conselho para quem está tentando baixar o meu filme hahaha

Algum filme pornô em particular? Aquele da Paris Hilton, talvez?

É, talvez ela possa fazer a sua versão pornô de Super Size Me hahaha

Além de Violent Femmes e Queen, a maioria das músicas do seu filme são desconhecidas. Onde você as achou?

Desde o começo, eu queria abrir o filme com Queen. O Violent Femmes é uma banda que conheço desde moleque e também gostaria muito de incluí-la. A única música que eu queria e não consegui os direitos foi "Chesseburger in Paradise", de Jimmy Buffett. É uma canção bem americana e se encaixaria perfeitamente, mas acho que quando ele ficou sabendo qual era o assunto do filme, ele pulou fora, porque ele tem uma cadeia de restaurantes chamada Margarita Ville.

Mas nós conseguimos outras ótimas canções, inclusive uma música tema, que eu escrevi junto com um cara chamado Toothpick, que é quem canta. Fala sério, quantos documentários têm a sua própria música tema? Hahaha

Uma das coisas que eu gostei do filme é que você sabia que as pessoas iam pegar no seu pé dizendo "claro que ele passou mal, é estúpido comer no McDonald´s por 30 dias". Mas você usou este ponto negativo a seu favor, mostrando que há pessoas que fazem coisas muito próximas disso.

Sim, há muitas pessoas que comem muito mal por aí. Nos Estados Unidos, nós comemos mais do que precisamos por dia, não fazemos os exercícios que o corpo necessita. Para mim, era importante fazer as pessoas pensarem no que elas estão colocando goela abaixo e daí, da próxima vez que uma pessoa for ao McDonald´s e o atendente oferecer um Super Size, ou o tamanho grande, você poderá dizer ‘não, o médio tá bom para mim.

Então, o filme não é só sobre o que você come.

Não! É sobre as escolhas que você faz. É sobre os exercícios que você faz, a comida que você compra, o estilo de vida que você escolhe. É sobre o tipo de modelo que você é para os seus filhos. Porque os pais têm que entender que se eles comem fora 3, 4, 5 dias por semana e não fazem exercício, eles estão ensinando seus filhos a comer fora e não fazer exercício também. Nós passamos nossos hábitos para nossos filhos. Os bons e os ruins. Os pais e as escola são importantes para conseguir atingir estas mudanças. Na minha opinião, as escolas são até mais imporantes. Porque você nunca vai conseguir transformar um pai em algo perfeito, mas você fazer uma escola chegar muito perto da perfeição, com boa comida e nada de refrigerante, batatinha-frita, doces, pizza e sorvetes. Um lugar onde nós ensinássemos as crianças a como comer bem e ter uma vida saudável. Um local onde tivesse atividades físicas todos os dias e as crianças aprendam o quão imporante é fazer exercícios. Nós podemos fazer isso pelas crianças.

Eu sempre imaginei que as aulas de Educação Física fossem obrigatórias e diárias nas escolas dos Estados Unidos.

Foram! Quando eu estava na escola, eu tinha Educação Física todos os dias, com exceção de alguns anos em que tínhamos testes.

E quem teve a "brilhante" idéia de mudar isso?

Acho que foi conseqüência dos vários cortes de verbas das escolas. Afinal, os primeiros a serem mandados embora são os professores de Educação Física, Música e Arte.

As críticas negativas que eu achei sobre o filme batem na tecla de que você absolve as pessoas, botando toda a culpa na indústria.

Você não me vê no filme dizendo ‘toda a culpa é do McDonald´s. Eu nunca eliminei a culpa das pessoas nesta equação, mas a maioria das pessoas que têm algo negativo a dizer sobre o filme são grupos de lobistas. Eu falo sobre a importância de se fazer exercício. Mas a pergunta do filme é "onde está a linha que divide a responsabilidade das pessoas e a da indústria?" A verdade é que a responsabilidade do ser humano nunca deixa de existir. O que precisa acontecer é as corporações darem uma passo de lado e dizer ‘nós também somos parte do problema e vamos fazer tudo o que pudermos para ajudar, mas elas não fazem isso.

Leia a resenha do filme

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