Filmes

Entrevista

Omelete entrevista Neil Gaiman e Roger Avary, os roteiristas de A Lenda de Beowulf

Escritores falam sobre a adaptação, Robert Zemeckis e quem venceria numa briga de facas: Jesus ou Od

27.11.2007, às 17H00.
Atualizada em 09.01.2017, ÀS 23H05

Se você lê o Omelete há pelo menos... hum... uns 20 minutos, conhece bem os nomes Neil Gaiman e Roger Avary. O primeiro é verdadeira unanimidade entre os fãs de histórias em quadrinhos, criador de Sandman e tantos outros bons exemplares da Nona Arte. Avary, por sua vez, não é tão conhecido - mas seu trabalho, sim. O homem é simplesmente o co-roteirista de Pulp Fiction - Tempo de Violência e escreveu também Terror em Silent Hill, Regras da Atração e Amor à Queima-Roupa - esses dois últimos ele também dirigiu.

Gaiman e Avary se conheceram quando a Warner Bros. encomendou do roteirista de cinema uma idéia para o filme que levaria Sandman às telas. A produção nunca saiu do chão, mas o pai do Senhor dos Sonhos adorou os conceitos de Avary para o projeto - e ficaram amigos. A colaboração na adaptação do poema épico inglês Beowulf surgiu naturalmente depois disso. Mesmo que tenha levado uma década para, finalmente, estrear.

Beowulf e Hrothgar

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Beowulf e Hrothgar

Neil Gaiman e Roger Avary

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Gaiman, Zemeckis e Avary

Grendel

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Grendel

Então foram 10 anos até o filme sair do papel?

NEIL GAIMAN: 10 anos e meio...

ROGER AVARY: 25 anos pra mim.

NG: Começamos a trabalhar juntos nele em maio de 1997. Trabalhamos em Puerto Vallarta, no México, em duas semanas de loucura total. Aí voltamos a Los Angeles e o vendemos para a ImageMovers, a empresa de Robert Zemeckis. Originalmente Roger o dirigiria e o filme chegou até a ganhar o sinal verde... e aí aprendi uma dessas estranhas peculiaridades de Hollywood... a luz verde pode voltar a ficar vermelha. E isso alguns dias antes de Roger subir num avião para procurar locações. Aí tentamos mais um pouco fazê-lo, até que os direitos voltaram para nós - e Roger o faria sozinho.

RA: Eu queria fazer uma versão bem pequena, bem barata, com produção francesa.

NG: Era quase com marionetes de meia de tão barata.

RA: A idéia era algo na linha de Jabberwocky, do Monty Python. Muita névoa e superestilização pra compensar a falta de recursos.

NG: Mas aí recebemos uma nova ligação. Zemeckis queria dirigi-lo.

E como foi trabalhar com ele?

NG: Muito fácil e prazeroso. Basicamente éramos nós três - eu, Roger e Bob - sentados numa sala lendo o roteiro em voz alta.

RA: De vez em quando ele nos interrompia dizendo 'bom caras, vou dar uma idéia. Se não gostarem, esqueçam'. E era a melhor idéia possível. Ele começou como roteirista, então suas idéias são sempre ótimas e muito pertinentes.

NG: O problema é quando ele tinha idéias brilhantes e não nos contava - esperando que tivéssemos a mesma idéia, ou algo ainda melhor.

RA: Eu não esperava tanta colaboração - e apoio, tanto como cineasta, roteirista e alguém dedicado a criar novas tecnologias. É uma criança apaixonada.

Originalmente não se pensava em animação.

RA: Não. E nem sonhávamos com a tecnologia de captura de movimentos, que ainda estava engatinhando. Aliás, o que Bob [Zemeckis] fez nem pode ser considerado apenas "captura de movimentos". É uma mistura de tecnologias diversas (leia mais sobre isso aqui). Essa versão de Beowulf é quase uma rotoscopia 3D, pois pintamos sobre a superfície total dos atores.

E o que mudou daquela primeira versão para a que foi filmada?

NG: A luta com o dragão ficou muito maior. Originalmente nosso problema era todo de orçamento. Como encaixar uma luta aérea entre homem e dragão num orçamento de 20 milhões? Neste, de repente, Bob estava nos dizendo para fazer o que bem entendessemos e nos pediu uma luta final com 10 minutos de duração. Aí inventamos aquela idéia maluca de um combate aéreo que se torna submarino e passa por um naufrágio... e liguei pra ele pra saber se estava tudo bem.

RA: E ele disse que se fizéssemos umas galinhas correndo pelo quintal custaria a mesma coisa, ahahaha.

NG: Basicamente, foi isso mesmo. Não havia nada que pudéssemos inventar que custaria mais do que o filme já estava custando. 'Façam o que sua imaginação está mandando vocês fazerem', ele disse. E nós fizemos.

Mas o filme, ao mesmo tempo, tem uma boa história. Não é apenas efeitos especiais.

NG: Sim, uma das coisas que mais nos preocuparam quando Bob nos disse que queria dirigi-lo como animação - e que entendemos a escala que o filme passaria a ter -, foi a quantidade de sutilezas do texto que achamos que se perderia. Havia muita informação subentendida, fora do texto, e que depende de interpretação, de olhares, de pausas... Os personagens têm segredos e fardos que carregam. Será que a tecnologia conseguiria captar isso?

RA: Captar as sutilezas, os momentos de silêncio, que para mim são os mais impressionantes no filme. Mas ficou impressionante. A cena em que Anthony Hopkins conversa com Beowulf sobre a mãe de Grendel, por exemplo. É um momento Hopkins clássico... ele vira os olhos, se retrai e por trás do diálogo há uma carga de informações que funcionou perfeitamente.

E como foi a preparação do filme pra vocês?

RA: Eu vi todos os filmes de viking que existem! Eu adoro. Meu preferido é Os Vikings, com Kirk Douglas, que tem uma parte divertidíssima. Todos os vikings usam barbas - e o personagem dele não. Afinal, ele é Kirk Douglas e pode fazer o que bem entender. E se ele quer mostrar o queixo, que seja. Mas para encaixar isso no filme eles inventaram todo um diálogo racional que não convence ninguém...

A produção demorou tanto pra sair que um outro Beowulf ficou pronto primeiro. Vocês ficaram preocupados com esse filme?

NG: O que é estranho desse processo é que todas as atuações foram gravadas em outubro e novembro de 2005. O filme efetivamente entrou em produção no começo de 2005. Nesse meio tempo até saiu esse outro Beowulf, mas felizmente ele não atraiu atenção.

RA: Sem falar no Beowulf futurista/cyberpunk com o Christopher Lambert. Quando fiquei sabendo dele fiquei arrepiado. Felizmente, quando o vi foi um enorme alívio. Não tem nada de Beowulf ali.

E como foi o processo de adaptação? Vocês mudaram muita coisa do poema original.

NG: Ah sim, bastante. Nossa idéia principal era fazer algo que funcionasse como narrativa contemporânea. Beowulf é incrível, a história mais antiga que temos em inglês, mas é considerada incrivelmente problemática como literatura. Começa com Beowulf resgatando o Rei de Grendel e sua mãe - e corta. 15 anos depois ele reaparece, enfrenta um dragão e morre. E é isso aí. Tentamos manter os eventos do poema e dar a eles razões para acontecer.

RA: Eu não tenho certeza que nossa versão não é a certa.

NG: Eu tenho.

RA: Ahahahaha, lembrem-se que é uma história que foi passada oralmente ao longo dos séculos. Até o registro dos monges que conhecemos hoje.

NG: Demos motivação aos personagens, reunimos as duas tramas e mudamos o cenário da segunda parte, pra melhorar a continuidade - permanecer no local pra mostrar o que houve com os personagens, como eles envelheceram e a chegada do cristianismo... E inventamos umas coisas bizarras... tipo a piscina urinol no Salão de Hidromel. Aliás, originalmente essa cena tinha uma discussão ótima: "Se Jesus e Odin entrassem numa luta de facas, quem venceria?", que era falada enquanto dois personagens urinavam. Esse é o tipo de coisa pela qual os fanáticos por literatura medieval inglesa vão querer nos matar. Mas esses, eu acho, só ficariam satisfeitos com uma adaptação que fosse uma tela branca, aí alguém apareceria andando (talvez até um deles) e recitaria todas as 1300 linhas do poema. E aí ele sairia como entrou. Fim.

RA: Pior que eu vi algo assim na Internet!

Acho que isso ficaria ótimo em 3-D... muito obrigado!

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