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Paris, te amo

Seleção de 18 curtas consegue mostrar um pouco da Cidade Luz como ela realmente é

05.07.2007, às 14H00.
Atualizada em 21.09.2014, ÀS 13H26

Peço licença para começar em primeira pessoa.

Bastaram sete dias, em setembro de 2006, para desfazer no meu imaginário aquela Paris que aprendi no cinema. A Cidade Luz, a capital mundial da lua-de-mel, ao vivo é muito menos amorosa. A Paris de Truffaut hoje é um vestígio - e o maior choque que tive quando visitei a França foi constatar que os parisienses mais hostis são aqueles que se fecharam na redoma sufocante desse vestígio.

paris te amo

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Tour Eiffel

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Faubourg Saint-Denis

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Montmartre

Apesar dos berros no metrô, das brigas a céu aberto, do apartheid, da xenofobia, dos pombos, dos franceses, aprendi em sete dias a amar Paris. Amei geléias, amei ladeiras, amei vitrais, até os turistas japoneses eu amei. É uma paixão clássica, efêmera, que não se explica e não se entende, paixão não correspondida, daquelas com um pouco de ódio também. Ao assistir a Paris, te amo (Paris, je t'aime, 2006), fiquei aliviado - os 18 curtas que compõem o filme não falam de um amor nostálgico, um amor pela cidade-imagem que não mais existe. Falam de amores como o meu.

Incomunicação

A começar pelo curta escrito e dirigido por Bruno Podalydès, centrado no bairro de Montmartre, no 18º arrondissement (cada um dos 18 curtas fala de um arrondisement, a divisão distrital de Paris). Está ali, na história do sujeito que briga por uma vaga para estacionar o seu carro, a fagulha que transforma a impaciência generalizada, às vezes, em um pequeno gesto de carinho.

Dos 17 curtas seguintes, seleção irregular como toda antologia, alguns são mais triviais do que os outros. Curtas-metragens precisam estabelecer rápida conexão com o espectador, mas alguns diretores confundem imersão express com didatismo - é o que acontece em Quais de Seine (5º arrondissement), de Gurinder Chadha, que versa com retórica excessiva sobre a presença muçulmana na cidade.

Dá para tratar de choques de culturas sem ser textual demais, como prova exemplarmente Gus Van Sant no terceiro curta da exibição, Le Marais (4º arrondissement), o bairro mais gay de Paris. Choque de culturas, ao lado da incomunicabilidade, é um tema central na compreensão da cidade, e Joel e Ethan Coen vão direto ao ponto em Tuileries (1º), no qual Steve Buscemi interpreta um pobre turista dos Estados Unidos em apuros no metrô.

Mas, dentro do tema ruído-de-comunicação, não há em Paris, te amo um curta melhor do que aquele dirigido pelos brasileiros Walter Salles e Daniela Thomas, Loin du 16e. O caminho silencioso que Catalina Sandino Moreno (Maria cheia de graça) faz do subúrbio até o arrondissement 16, onde trabalha de doméstica, é de chorar. Versão compacta do eterno moto de Salles, o filme-de-estrada, Loin du 16e está entre os três ou quatro melhores curtas do filme.

Triste porém feliz

Começa, a partir daí, também para manter o frescor da empreitada, a surgir uma miríade de gêneros. Em Porte de Choisy (13º arrondissement) Christopher Doyle investe num registro entre o cartunesco e o onírico. Bastille (12º) descaradamente embarca no conto amoroso. Place des Victoires (2º), outro ponto alto do filme, vai de realismo fantástico, com direito a Willem Dafoe personificando a Morte em forma de cowboy. Sylvain Chomet, o diretor de As Bicicletas de Belleville, retorna à inocência infantil para falar da Tour Eiffel (7º). Tem até terror com vampiros em Quartier de la Madeleine (8º).

Faltando oito contos-distritos, a Paris que se forma para nós ainda não deixou compreender seu fascínio - e talvez não deixe jamais. Possível é juntar os pedaços que compõem esse fascínio. Existe a melancolia (Quartier Latin, por Gérard Depardieu e Frédéric Auburtin; Place des fêtes, por Oliver Schmitz; Pigalle, por Richard LaGravanese), existe o flanar (Parc Monceau, por Alfonso Cuarón; Père-Lachaise, por Wes Craven) e existe a melancolia de flanar (Quartier des Enfants Rouges, por Olivier Assayas; Faubourg Saint-Denis, por Tom Tykwer).

O curta que encerra o longa, 14e arrondissement, escrito e dirigido por Alexander Payne (Sideways), é confessional em voice-over como esta crítica. Também vai na linha do flâneur melancólico e é a síntese perfeita do amor que a imperfeita Paris exerce sobre quem a conhece pela primeira vez. Um amor - como diz a cativante personagem, uma turista caipira e gorda dos Estados Unidos - triste porém feliz.

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