Embora tenha sido rodado em dezembro de 2011, antes e durante a mais tradicional corrida de rua do país, o documentário São Silvestre tem muito a ver com o ano de 2013, em que São Paulo assistiu à retomada dos espaços públicos pelos movimentos sociais. Ao filmar a São Silvestre no corpo a corpo, a diretora Lina Chamie (A Via Láctea) consegue registrar o que visualmente há de mais forte na prova, que é justamente a ocupação da cidade.
sao silvestre
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Depois de realizar um curta sobre a corrida, Lina abriu mão dos depoimentos e do formato documental mais tradicional na hora de partir para o longa. São Silvestre acompanha sem diálogos a preparação e a prova em si, com uma câmera acoplada ao peito do ator Fernando Alves Pinto. Aqui, mais do que nos seus longas anteriores, Lina Chamie exercita sua formação de musicista; o que dá o tom é a trilha incidental, com composições clássicas de Gustav Mahler, Richard Wagner, Camille Saint-Saëns, Jean Sibelius e Alexander Scriabin.
A opção por um registro sensorial (e frequentemente vertiginoso por conta da câmera na mão) pautado pela música clássica cria um crescendo dramático que funciona como motor do filme. Inicialmente temos o conflito mais básico, do indivíduo disputando lugar com os carros, como se o corredor em treinamento reivindicasse à força um espaço seu, esforço latente no choque dos pés contra o asfalto (que a câmera privilegia nesse primeiro momento). Na passada e na respiração do corredor, um compasso quase musical que dá ao filme seu senso de urgência.
Depois vem a calmaria, o balé engarrafado de carros e pedestres na Avenida Paulista, que a música trata como caos controlado, uma harmonia improvável entre forças contrárias. É impossível assistir ao homem e à mulher parados no semáforo, cada um dirigindo seu carro, lado e lado, e não torcer para que eles troquem um olhar, torcer para que se reconheçam. A essa altura, São Silvestre já criou no espectador um senso de convivência nesse espaço tão impessoal e brutalizado que é o trânsito de São Paulo, e nada mais justo do que torcer para que as pessoas que atravessam a tela também percebam que a rua lhes pertence.
É como uma apoteose, portanto, que chega o momento da corrida. A opção por filmar um ator durante a prova pode parecer estranha no começo (Lina muda para o preto-e-branco para fazer a distinção), mas ela dá um importante senso de identificação com o espectador. Fernando Alves Pinto está ali representando todos nós, afinal. A São Silvestre do clímax do filme não é só uma concessão - um delírio de fim de ano em que, por milagre, as ruas param para o pedestre passar - mas sim a recompensa por uma batalha travada no dia a dia por todos os paulistanos.
São Silvestre | Cinemas e horários
Ano: 2013
País: Brasil
Classificação: 18 anos
Duração: 80 min
Direção: Lina Chamie
Roteiro: Lina Chamie
Elenco: Fernando Alves Pinto