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Um Beijo Roubado

Em seu primeiro filme em inglês, Wong Kar Wai leva suas obsessões aos EUA

10.04.2008, às 17H00.
Atualizada em 21.09.2014, ÀS 13H35

No momento de Um Beijo Roubado (My Blueberry Nights) em que a personagem de Norah Jones deixa Nova York depois de uma desilusão amorosa, toca ao fundo "Yumeji's Theme", de Shigeru Umebayashi - a música-tema de Amor à Flor da Pele, o filme que transformou o cineasta chinês Wong Kar Wai de cult em ídolo. É a única referência auditiva que remete ao Kar Wai do passado, neste que é o seu primeiro longa falado todo em inglês.

Ainda que toque de forma diferente da original, com gaita e violão, bem à moda da música folk dos EUA, a menção de "Yumeji's Theme" logo desperta no espectador habituado ao universo de Kar Wai os sabores de outros tempos. Sabores esses que, apesar da doçura sonora, têm nas cores glicosadas sua força maior. Incapaz de reproduzir em Nova York o mobiliário da Hong Kong dos anos 50 que ele venera obsessivamente, Kar Wai encontra nos vidros, nas janelas e nos neons da Grande Maçã um correlato. As letras das vitrines de um bar e os reflexos nos capôs de carros são a versão ocidental da carinhosa cafonice do imaginário retrô do chinês.

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(Antes que alguém lembre de Felizes Juntos, já digo que a comparação não vale: a Buenos Aires do filme de 1997, com seu visual noir blasé, é idêntica à Hong Kong de Kar Wai.)

É nesse ambiente suspenso no ar, de uma luxúria velada, proibitiva como um pedaço de torta de mirtilo, a tal blueberry, que Elizabeth sofre a ressaca de não ser amada. Depois de deixar no bar de Jeremy (Jude Law) as chaves de sua casa para o tal namorado ingrato - e de comer por ali uns bons doces noite adentro - Elizabeth parte sem destino. Em seu primeiro trabalho no cinema, Norah Jones interage então, entre uma parada e outra, do Memphis a Las Vegas, com outras figuras marcantes - interpretadas por Rachel Weisz (O jardineiro fiel), David Strathairn (Boa noite e boa sorte) e Natalie Portman (V de vingança).

Cineasta de obsessões, Kar Wai transfere essa paixão aos seus personagens. São sempre tipos incorrigíveis, literalmente condenados a amar, e não é a mudança do idioma que impedirá Um Beijo Roubado de ter os seus. Não estranha, portanto, que na estrada afora Elizabeth veja refletido em outras pessoas o desamor que ela vivencia.

O fato de Um Beijo Roubado ser um trabalho autoral não faz dele automaticamente um filme bom. Essa entrega pode seduzir os espectadores que, atraídos pelos nomes hollywoodianos no cartaz, ainda não haviam travado contato com o cineasta. Mas em comparação com um desbunde como 2046, por exemplo, as noites de blueberry ficam parecendo sobremesa light. A opção por expandir a trama, quase como num ensaio de road movie, e expor a obsessão de vários personagens ao invés de expor a obsessão de apenas um casal, dilui a força do filme.

E aí os críticos de Kar Wai têm espaço para se empanturrar. Ao dividir a trama de forma episódica, o diretor e co-roteirista (em parceria com Lawrence Block) constrói mal os coadjuvantes - e depois remenda com uma espécie de post-scriptum, a narração em off ao fim do que Elizabeth "aprendeu". Pior do que isso, Kar Wai força a mão para dar mais sensação de profundidade a tipos vazios, como quando faz movimentos laterais com a câmera para revelar devagarzinho os rostos dos atores. O que há nesses rostos de tão caro a revelar?

Aqueles que enxergam falta de conteúdo debaixo do pancake têm em Um Beijo Roubado a prova de que rostos perfeitamente maquiados não são suficientes. Depois de se entorpecer com a boca de Norah Jones, o pescoço de Natalie Portman, o busto de Rachel Weisz e - vá lá - os olhos de Jude Law, o que sobra? É como naquela piada de restaurante de Seinfeld: o esfomeado paga qualquer coisa para comer, mas depois de satisfeito se desanima com a conta.

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