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Um Sonho Dentro de um Sonho

Baixou o David Lynch em Anthony Hopkins

10.04.2008, às 17H00.
Atualizada em 21.09.2014, ÀS 13H35

Quem já tentou entrevista Anthony Hopkins sabe como o ator galês se aborrece com o feijão-com-arroz das divulgações hollywoodianas. Esse desprezo pela rotina da indústria permeia por completo Um Sonho Dentro de um Sonho (Slipstream, 2007), o primeiro filme de Sir Hopkins como protagonista, roteirista e diretor desde Outono de Paixões, de 1996.

A trama enfoca um roteirista, Felix Bonhoeffer (Hopkins), que vive em dois mundos distintos: o real e aquele que existe somente dentro de sua mente. E como o próprio título diz, mesmo o mundo real tem muito de surreal. Contratado para reescrever uma trama de mistério e assassinato, Felix tromba com matadores de aluguel, candidatas a atriz e produtores de cinema - só tipos suspeitos.

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Não dá pra partir de uma sinopse mais completa do que esta, porque já estaríamos botando em ordem as peças que o filme apresenta soltas dentro do quebra-cabeças. Muitas dessas peças foram feitas para confundir mesmo: planos que duram o intervalo de uma piscadela, imagens sobrepostas e cenas que começam de novo como um soluço. À sua inspiração evidentemente lynchiana, Hopkins adiciona as facilidades da montagem digital.

Se a inspiração é lynchiana, o modelo não poderia ser diferente: Cidade dos Sonhos. Ambos os filmes tratam dos meandros de Hollywood, e David Lynch é tão cético com as engrenagens da indústria quanto Hopkins. O britânico não tem, porém, o mesmo interesse de Lynch pelo poder de sedução da imagem hollywoodiana. Lynch, a grosso modo, luta contra a atração fatal do cinemão, enquanto Hopkins nega essa atração desde o começo.

E aí entra todo tipo de - não tem outra palavra - ranhetice. O produtor escroto se chama Harvey, referência evidente ao mais bufão dos irmãos Weinstein, por exemplo. De menções à estética paparazzi aos comentários sobre a youtubização da vida, o filme não deixa escapar nada. Esse processo, que tem muito de regressão psicológica, desemboca compreensivelmente na nostalgia. Hopkins vai buscar um ícone de outros tempos, Kevin McCarthy, protagonista do clássico B Vampiros de Almas (1956), para dividir com ele sua perplexidade diante dos novos tempos.

Em Vampiros de Almas, o original que rendeu recentemente a refilmagem Invasores, alienígenas assumem a mente dos humanos, que começam a agir de forma sincronizadamente passiva. Kevin McCarthy interpretava o herói que lutava contra essa padronização - na época, uma crítica velada ao comunismo. Hopkins ressuscita a simbologia perguntando: como podemos nos livrar dos aliens que tomaram as mentes das pessoas que fazem cinema hoje?

É uma questão válida, sem dúvida, mas Um Sonho Dentro de um Sonho está tão entupido de rancor contra "tudo isso que está aí" que mal tem tempo de vislumbrar uma resposta. E pior: é um filme com a cabeça no passado tentando vestir uma roupa jovem, com todo tipo de barbeiragem de edição a que os softwares dão direito hoje.

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