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Sala dos Roteiristas | Três problemas de roteiro de Breaking Bad

Nazistas? Superacidente? Apelou, perdeu

27.05.2016, às 20H12.
Atualizada em 29.06.2018, ÀS 02H34

Lá no meu panteão de séries americanas de drama, tenho alguns lugares cativos: The Wire, Sopranos, Mad Men, Deadwood e Twin Peaks - é como eu costumo responder, sempre sem titubear, quando me perguntam as minhas preferidas. Outras ótimas séries, como Treme, Boardwalk Empire, E.R. e True Detective (na primeira temporada, óbvio), orbitam essa espécie de olimpo da teledramaturgia americana, mas não chegam a incomodar quem está no topo. Uma ausência dessa lista, no entanto, incomoda (e muito) boa parte das pessoas com quem conversei sobre o assunto até hoje e, não por acaso, será nosso tema dessa coluna: Breaking Bad.

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Vejam bem. Antes que vocês comecem a reclamar, "ah, lá vem essa chata da Lívia querendo criar polêmica dizendo que Breaking Bad é tão ruim quanto os filmes do Christopher Nolan". Não, não é isso. É bem longe disso. Pra deixar claro, digo de antemão que Breaking Bad deve estar no Top 10 melhores séries dramáticas a que eu já assisti, o que não é pouco, claro. Só que estamos falando de uma série idolatrada, glorificada, tida por muitos como a melhor série de todos os tempos - e aí é que o bicho pega. Desculpa, gente, não é. Não preciso nem dizer que HAVERÁ SPOILERS, né?

1) A Premissa

Ok, essa é simples. Eu não compro e nunca comprei a premissa de Breaking Bad. Um químico brilhante que vira professor de uma escola secundária porque teve um rompimento traumático no passado que o afastou da sua namorada e da sua empresa. Eu até posso aceitar que um evento como esse faça com que uma pessoa queira fugir por uns anos dos holofotes do seu meio de trabalho. Vá lá. Agora, me fazer engolir que esse químico genial prefere lavar carros e ser humilhado pelos seus próprios alunos do que perseguir uma carreira naquilo que ele sabe que é bom, devido ao maior caso de orgulho ferido da história da humanidade, não rola. A falta de grana e de alternativas na vida de Walter White são condições para sua decisão de vender metanfetamina que dá início à história. Se elas não se sustentam diante da genialidade do personagem, essa é claramente uma falha de roteiro da série.

2) A colisão aérea no final da segunda temporada

Um dos piores momentos do que é considerada a terceira Era de Ouro da TV Americana, que me fez querer abandonar a série para sempre devido à certeza de que a partir dali seria ladeira abaixo, que eles nunca se recuperariam de tamanho absurdo. Recapitulando: até o final da segunda temporada, e apesar da premissa, Breaking Bad havia se firmado como uma série sólida, instigante e criativa. Em uma das melhores cenas da série, Sr. White opta por deixar a namorada de Jesse morrer sufocada no próprio vômito depois de acidentalmente tirá-la posição que garantia que isso não aconteceria, fazendo com que a sua responsabilidade na morte dela ficasse no limite do aceitável para o personagem naquele momento.

Mas então vem o desastre, em todos os sentidos. Graças à morte de Jane, o pai dela, muito abalado, entra em depressão, começa a beber e, como controlador de voo, é responsável pela colisão aérea de dois aviões, causando 167 mortes. O que era sutileza, culpa pequena, mas existente, e transição leve de personagem virou, em uma má decisão de roteiro, pé na porta, crise gigante e tentativa de causalidade forçada. Primeiro, controladores de voo estão no mundo, com seus próprios problemas que podem não diferir muito dos problemas do pai de Jane. Nem por isso vemos colisões aéreas acontecendo a torto e a direito. O sistema é feito para evitar esse tipo de situação. Mas vamos supor que Jane tivesse morrido atropelada na rua, em um acidente que fosse em parte culpa dela e em parte culpa do motorista. Esse motorista seria responsável ou causador de um acidente aéreo de proporções gigantescas? Não, né?

Depois, e mais importante, ao criar um evento com um número absurdo de mortos como consequência para a morte de uma única personagem, a série parece diminuir a importância da morte de Jane, como se a crise de Walter White só pudesse partir de algo muito maior do que ser meio responsável pela morte de uma jovem que poderia ter a vida inteira pela frente. Por último, o esforço da série para aumentar todo o drama (que já era gigante, considerando o número de mortos e o quanto é improvável um acidente desse tipo) criou uma das cenas mais constrangedoramente mão pesada da TV recente. Isso porque a colisão entre os aviões acontece em cima da casa dos White, com Walter assistindo a tudo e com destroços e objetos dos passageiros caindo no seu jardim! Aí você pensa, "não, isso é demais, não precisava pesar tanto assim, isso é simplesmente inverossímil", e então um ursinho de pelúcia rosa cai na piscina dele, com direito a plano subaquático daquele objeto que indica escancaradamente a morte de uma criança para fechar a temporada. Não dá!

3) Todd e os Neonazistas

Ao longo das temporadas, Breaking Bad se esforçou muito para não vilanificar exageradamente Walter White, tentando nos manter engajados na sua narrativa e no seu ponto de vista e mantendo sua ambiguidade moral. Com a escalada dos eventos ocorridos, no entanto, em algum momento ficou impossível não fazê-lo cruzar a linha entre um cara que quer proteger a família e satisfazer seu ego e o vilão psicopata que mata sem nenhuma culpa.

Assim, chegando perto do desfecho da série, era necessário começar a pensar na redenção de Sr.White, fazendo-o se aproximar de novo do homem que ele era no início de tudo. Tarefa difícil para os roteiristas, claro, mas a solução arranjada não me agrada nem um pouco, parecendo a saída fácil, preguiçosa e meio clichê. E qual foi ela? Simples, criar um grupo de personagens muito mais maldosos do que o nosso protagonista: uma gangue de narcotraficantes neonazistas (ou White Supremacist) impiedosos. Não foi Walter White que mudou, pendeu para um lado ou se ficou ainda mais complexo - foi a nossa perspectiva sobre ele que foi alterada pela adição desses supervilões de folhetim vagabundo. A redenção dele veio da necessidade de lutar contra esse "mal maior" hiperexagerado. Mal aí, mas eu chamo isso de bad writing.

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