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A Gangue | Crítica

Sucesso em festivais, filme ucraniano tateia a realidade com seu "musical" sem som

15.05.2015, às 16H18.
Atualizada em 29.06.2018, ÀS 02H35

O fato de A Gangue (Plemya, 2014), estreia em longas do roteirista e diretor ucraniano Miroslav Slaboshpitsky que tem chamado atenção em festivais por sua proposta realista e violenta, ser um filme sobre adolescentes surdos-mudos permite que o espectador, sem uma guia textual, forçado a confiar "apenas" na imagem, atente para os entornos.

Acompanhamos um jovem recém-chegado a uma escola para deficientes audiovisuais. Depois de uns dias de estranhamento e confronto, como em qualquer escola com adolescentes, o protagonista é aceito pelos outros alunos - e apresentado à tal gangue. Ele então passa a participar do dia a dia de contravenções do grupo, que envolve assaltos, contrabando, prostituição e tráfico internacional de mulheres.

Não há diálogos em A Gangue, só linguagem de sinais, mas a narrativa é simples o suficiente para que fique clara não só a trama (encenada sempre frontalmente, com os atores dispostos no quadro como se estivessem num proscênio) como também o contexto. A atenção aos entornos revela uma Ucrânia que, como tantas outras ex-repúblicas soviéticas, tem dificuldade em superar a sina de nação-satélite da Rússia; sucatas de carros, paredes de pinturas decrépitas e muros com pixações sobrepostas revelam um abandono que se acumula com o tempo.

A vida à margem de tudo, experimentada pelos jovens do filme, é a expressão presente desse acúmulo. Não interessa a ninguém na escola discutir o papel da Ucrânia no mundo (na aula de geografia, a professora parece "falar" sozinha), porque a transitoriedade já se tornou regra. Da mesma forma que o protagonista troca de quartos no alojamento sem um senso de pertencimento, a subtrama das adolescentes negociadas como prostitutas para a Itália é só mais um sintoma dessa carência de se sentir parte de algo.

A escolha de Slaboshpitsky por fazer uma espécie de balé mudo com seu elenco resulta bastante forte, no sentido em que as tentativas de diálogo e de compreensão (faces dessa busca por alteridade e pertencimento) se estendem à experiência do espectador com o filme. A Gangue se parece com o Pina de Wim Wenders em vários momentos, com seus planos-sequências ensaiados que ressaltam a artificialidade das situações, e com o gestual humano lutando para dar alguma vida a ambientes mortos pela realidade pós-industrial.

Se Slaboshpitsky se rende à tentação da ultraviolência no final - quando então seu filme desfaz o encantamento da "dança" e se torna um anti-musical sádico mais próximo ao Dançando no Escuro de Lars von Trier - isso parece mais uma contingência de cinema de festivais hoje, seduzido pelo choque fácil para se diferenciar de tantos outros filmes "de arte" em circulação, do que uma solução dramática de fato. O que fica de A Gangue são as cenas que tateiam uma intervenção nos espaços, como o sexo na casa de máquinas, e nesses momentos o trabalho do ucraniano funciona muito bem como cinema de aproximação.

Nota do Crítico
Bom
A Gangue (2014)
Plemya
A Gangue (2014)
Plemya

País: Ucrânia, Holanda

Classificação: 18 anos

Duração: 132 min

Onde assistir:
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