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<i>A paixão de Cristo</i> precisa de tanta polêmica?

<i>A paixão de Cristo</i> precisa de tanta polêmica?

18.03.2004, às 00H00.
Atualizada em 21.09.2014, ÀS 13H15

A Paixão de Cristo

The Passion of the Christ
EUA, 2004
Drama - 127 min.

Direção: Mel Gibson
Roteiro: Mel Gibson, Benedict Fitzgerald

Elenco: James Caviezel, Monica Bellucci, Claudia Gerini, Maia Morgenstern, Hristo Jivkov, Mattia Sbragia, Sergio Rubini, Toni Bertorelli, Rosalinda Celentano e Francesco De Vito.



Jim Caviezel e Gibson no set

As polêmicas em torno de A Paixão de Cristo (The Passion of the Christ - 2004) tornaram o filme um sucesso de bilheteria. Em menos de um mês já são mais de 260 milhões de dólares apenas nos Estados Unidos. E a caixa-registradora não pára fechada. E desde que o projeto foi anunciado, o Omelete vêm mostrando os desdobramentos deste audacioso filme. Agora, com sua estréia no Brasil, vale a pena parar para pensar: esta polêmica toda é justificada, ou tudo não passa da maior jogada de marketing de Hollywood desde a Bruxa de Blair (The Blair Witch Project, de Daniel Myrick e Eduardo Sánchez - 1999)?

Para começar, falemos da ousada idéia de Mel Gibson de colocar seus personagens falando línguas extintas como o aramaico e o latim. A idéia não é inovadora, mas foi perfeitamente executada e ajuda a dar a veracidade que um filme épico necessita. Afinal, convenhamos, é muito mais fácil acreditar quando ouvimos elfos falando em élfico do que quando vemos na tela gladiadores romanos bravejando num sotaque texano. E, para falar a verdade, se Gibson tivesse levado adiante sua idéia inicial de não legendá-lo, a perda não seria tão grande: Os atores tiveram aulas e aprenderam a falar como se falava no começo do século I, mas é nas caras e olhares que estão as melhores atuações, não nas falas.

Sobre o fato de ter baseado o roteiro co-escrito com Benedict Fitzgerald nos Evangelhos de Lucas, João, Mateus e Marcos, Gibson começou a entrar em território arenoso, afinal, os cristãos (como ele) seguem a Bíblia, mas judeus, muçulmanos, budistas, etc. não necessariamente acreditam que este seja O livro sagrado. Porém, da mesma forma que os judeus Steven Spielberg e Roman Polanski retrataram a violência contra seu povo durante a Segunda Guerra Mundial, em A Lista de Schindler e O Pianista, respectivamente, Gibson seguiu suas crenças. Não dá para culpá-lo nem pelo que está escrito na Bíblia, nem tampouco por segui-la. Quando você pega uma história que é tão conhecida como essa, e que carrega consigo tantos preconceitos, a única coisa que você pode fazer é se manter o mais fiel possível à história e à sua forma de expressá-la criativamente. Foi isso que eu tentei fazer, diz o cineasta.

Quando dirigiu Coração Valente (Braveheart, 1995), Gibson fez as seqüências de batalhas de modo relativamente brando, seguindo os moldes da época. Esse paradigma foi quebrado em Hollywood quando Steven Spielberg fez seu O Resgate do Soldado Ryan (Saving Private Ryan, 1998). Os 35 minutos iniciais do longa estrelado por Tom Hanks, que mostram o desembarque das tropas aliadas na Normandia durante a Segunda Guerra Mundial, são mais densos do que as duas horas de A Paixão. Ou seja, toda aquela aura de que o novo filme de Gibson mostra uma violência inédita vai por água abaixo... Não que isso torne as cenas de açoitamento sofridas por Cristo menos chocantes.

Mas e o tal do anti-semitismo do qual está todo mundo falando? Os judeus dizem que ele está lá, sim, enquanto os cristãos negam. E assim voltamos ao que já foi dito no começo e entram então as crenças de cada religião. Embora tenha medo de que isso possa causar revoltas contra cidadãos judeus, o rabino Henry Sobel acredita que as pessoas esclarecidas não vão mudar sua maneira de pensar por causa de um filme. É o que aconteceu, por exemplo, com o estudante de medicina que atirou durante uma exibição do filme Clube da Luta em São Paulo, ou com os meninos que causaram a chacina na escola de Columbine (EUA), depois de ter visto Matrix. Eles já tinham esta predisposição em cometer tais atos, não foram encorajados pelas fitas. E tem mais, se os fariseus são apontados no filme como os principais inimigos de Jesus, são os romanos quem se encarregam de açoitá-lo sem piedade. No entanto, o filme não foi citado em momento algum como anti-romano.

É ou não é?

E assim chegamos à questão final: tudo isso é ou não uma excepcional jogada de marketing? É possível afirmar que Mel Gibson sabia, sim, do barulho que seu filme faria. Basta olhar para toda a polêmica causada por dois filmes anteriores que tratavam da mesma temática: Je Vous Salue, Marie (de Jean-Luc Godard - 1985) e A última tentação de Cristo (The last temptation of Christ, de Martin Scorcese - 1988). Mas provavelmente nem ele imaginaria que chegaria tão longe, quebrando recordes e fazendo igrejas fecharem sessões inteiras para exibir o filme aos seus fiéis, ou então mostrá-lo para potenciais novos freqüentadores.

No Brasil, por exemplo, a distribuidora Fox Film usou e abusou de tudo isso. Vendo o sucesso do filme no exterior, ela adiantou em uma semana sua estréia por aqui e ainda chamou líderes das comunidades judaica e cristã para ver o filme e, claro, repercutir sobre o assunto. Isso vem rendendo a melhor propaganda que um produto pode ter: o boca-a-boca, que é muito mais efetiva e - melhor - gratuita.

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Confira os destaques desta última semana

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