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<i>Família Soprano</i>: Uma análise radical

<i>Família Soprano</i>: Uma análise radical

20.08.2003, às 00H00.
Atualizada em 21.09.2014, ÀS 13H14
BOX Família Soprano
Primeira temporada
5 ovos

Recentemente foi lançado no Brasil o DVD Família Soprano.

A série já entra no quinto ano de exibição e aqui temos lançada a primeira temporada.

Muito já se escreveu sobre esta família e seus companheiros. É um dos maiores sucessos da televisão a cabo americana, tem uma legião de adoradores e, a cada temporada, especula-se quem será eliminado e de que forma (são geralmente assassinatos espetaculares).

Mas no que a série realmente inova é em sua aliança com o universo da patologia mental.

No primeiro capítulo Tony Soprano (James Gandolfini), o capo da máfia local, durão e macho latino tem um dos ataques de pânico dos mais bem representados nas telas, o que inclui cinema e televisão.

Em sua monótona rotina de limpar o jardim, comer pizzas ou exercitar-se em casa - enquanto acompanha por telefone os negócios da família - Tony afeiçoa-se a uma família de patos que se instala em sua piscina. Passa a acompanhar seus hábitos, observar com carinho os animais que se tornam cada dia mais próximos. Aparentemente... Porque num belo dia - e sem dizer adeus - voam para nunca mais voltar.

Tony Soprano não suporta a perda e desmancha-se nos mais infantis sintomas de abandono. Teme ficar sozinho, tem certeza que está com uma grave doença. Começa, então, a peregrinação comum a todos os pacientes ansiosos.

Não demora muito para ser encaminhado a um psiquiatra - uma psiquiatra mais precisamente - que faz o diagnóstico de depressão com ataques de ansiedade e pânico, propõe medicamentos e psicoterapia.

Bastaria isto para tornar a série inovadora, a despeito de ser uma boa e a tradicional história de mafiosos ítalo-americanos. A relação entre Tony e sua psiquiatra/psicoterapeuta dá o tom da trama. Lá vemos representadas todas as fases de uma relação terapêutica, além de questões médicas cuidadosamente pesquisadas.

Tony passa a prestar mais atenção à família, especialmente a relação com a mãe. A antes idolatrada e respeitada matriarca italiana é destituída de seu pedestal, sua autoridade irremediavelmente contestada e destruída pelo processo analítico do protagonista.

Mais interessante ainda é a transformação progressiva da própria comunidade mafiosa local, um bairro qualquer da já mal afamada Nova Jersey: aos poucos Tony vai contando de seu tratamento, meio envergonhado, mas isto provoca curiosidade, alguns admitem que estão também se tratando, já estiveram ou querem estar.

A família de Tony entende sua doença e apóia o tratamento. Sua mulher, sempre astuta, insiste no uso da medicação, quer participar de suas descobertas. Tony reflete sobre a situação dos filhos, angustia-se ao perceber que a descendência de um mafioso tem suas repercussões.

No filme Matador em conflito, de 1997 (Grosse Point Blank), recentemente lançado em DVD no Brasil produzido e estrelado por John Cusack, assistimos a uma situação semelhante. O protagonista é um matador de aluguel em crise, mas aborrece seu psicanalista com dúvidas intermináveis e mal encaminhadas pelo profissional, que também não tem a mínima paciência com seu cliente. O filme, assim como em Sopranos, também apela para a violência explícita, mas que facilmente se transforma em mau-gosto, enquanto tenta fazer graça.

Mau-gosto não acontece nos Sopranos. Os assassinatos são exibidos para nos lembrar de que se trata de uma profissão, um meio de vida, mesmo que ilegal, mas com regras e deveres. A vida é muito mais dura do que uma análise pode dar conta? Ou não?

Pela primeira vez, também assistimos aos dramas de um psiquiatra em tratar um paciente tão complicado. A psiquiatra e analista (Lorraine Bracco) está fascinada por cuidar de um sujeito tão peculiar, excita-se efetivamente com suas histórias, mesmo que as perceba amenizadas: desde o início do tratamento, a médica avisa que, se Tony lhe contar algo que envolva crime, está determinada a denunciá-lo. Isto evidentemente atrapalha a relação, pois Tony é obrigado a esconder eventos de importância para o tratamento. Isto só será resolvido no segundo ano da série, brevemente em nossos DVDs.

Em Família Soprano, as personagens idolatram O poderoso chefão, riem de A máfia no divã, mas sabem que tudo aquilo não passa de show. O dia-a-dia dos mafiosos é bem menos excitante, pelo contrário, todos vivem amedrontados com possíveis traições. A qualquer momento, podem ser assassinados por amigos ou rivais, presos para investigação, o que efetivamente ocorre em todos os capítulos.

Os Sopranos exagera para falar do corriqueiro. Quando uma mãe pode trair efetivamente - e isto é aceito pelo espectador em filmes de máfia -, qualquer teoria psicanalítica pode ser introduzida e compreendida imediatamente. A série acerta em cheio: fala do sinistro e obscuro da alma humana sem causar estranhamento ou repulsa.

Ensina-nos que os sentimentos mais contraditórios, cabeludos e violentos podem conviver, às vezes harmoniosamente, mas, na maior parte das vezes, produzindo sintomas insuportáveis. Isto poderia assustar o espectador, mas a arquitetura da história e especialmente a atmosfera do tratamento dos conflitos mentais e a possibilidade de melhora com a psicoterapia fazem de Família Soprano um tratado otimista da alma humana. Claro, todos pagamos a taxa extra para proteção...

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