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Artigo

James Cameron e Peter Jackson falam sobre o futuro do cinema

Em painel na Comic-Con, cineastas dão uma aula de cinema

20.08.2009, às 00H00.
Atualizada em 21.09.2014, ÀS 13H51

Existem algumas pessoas que, com o perdão do clichê, dispensam apresentações. Na última Comic-Con, vi duas delas ao mesmo tempo: James Cameron e Peter Jackson. Eles subiram ao palco da Sala H do Centro de Convenções de San Diego para falar sobre "O Futuro do Cinema" e arrancaram do público risadas, aplausos e suspiros com o que os seus próximos projetos devem fazer para o bem da sétima arte.

A história dos dois começou com um desencontro. Peter Jackson, que havia dirigido Kate Winslet em Almas Gêmeas (1994), fora convidado pela atriz a acompanhar um dia de filmagens de Titanic (1997), na expectativa de talvez ser apresentado ao diretor de O Exterminador do Futuro... mas não conseguiu. Ao ouvir a história, Cameron diz que provavelmente foi um dos dias em que ele pediu demissão.

Peter Jackson & James Cameron na Comic-Con 2009

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Peter Jackson & James Cameron na Comic-Con 2009

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Peter Jackson & James Cameron na Comic-Con 2009

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O encontro entre os dois só foi acontecer vários anos depois, no dia seguinte ao Oscar de 2004. Jackson estava em fase de pré-produção do seu King Kong e queria conversar com Cameron para discutir a possibilidade de fazer seu então novo filme em 3D. Um dia antes, o neozelandês ligou para marcar um horário e sugeriu às 9h. O diretor de Titanic respondeu: "Não vai rolar. Vocês vão ficar acordados até as 6h comemorando os Oscar que vão ganhar. Que tal se marcarmos dep"ois das 17h, que é a hora que vocês vão acordar?" E Peter Jackson, com cara de quem ainda tem flashbacks daquela noite apenas deu um sorriso de canto de boca e "É".

Essas passagens bastante pessoais deram o tom do clima descontraído que as quase 7 mil pessoas presentes acompanharam por cerca de uma hora. E foi pouco. Muito pouco. Dava para ficar ali ouvindo aqueles dois contarem suas histórias e darem suas opiniões sobre o cinema por horas, dias, meses até, sabendo que assunto não faltaria.

Cameron disse, por exemplo, que percebeu que poderia fazer o seu Avatar quando assistiu a O Senhor dos Anéis - As Duas Torres e se impressionou com a cena em que Gollum conversa consigo mesmo. "Uma figura humanóide tinha atingido um tom artístico", se lembra Cameron. Ao seu lado, o neozelandês levanta a cabeça e fala: "A única coisa é que aquela cena foi dirigida pela Fran [esposa de Jackson e co-roteirista do filme]". É a deixa para mais risadas.

O gosto dos dois por tecnologia e por procurar novos limites, foi o que os uniu de vez. Cameron logo se empolgou com a possibilidade de mostrar a Jackson o que estava desenvolvendo e, lembra ele, depois de apenas meia hora apresentando as suas novidades, começou a receber do neozelandês ideias de como melhorar ainda mais o que estava desenvolvendo por ali. Não é à toa que as empresas dos dois estão trabalhando juntas atualmente em Avatar, o que, aliás, valeu outra cena engraçada, quando Peter Jackson disse que District 9, filme que ele produziu, não teve os efeitos especiais e de pós-produção feitos pela sua Weta, porque um certo James Cameron estava usando praticamente toda a capacidade do local com o Avatar.

E não foi fácil chegar até esse ponto. O filme não recebeu a luz verde logo de cara, só porque quem estava dirigindo era James Cameron. Houve um processo de pré-produção, todo bancado pela Fox, com desenvolvimento de design e tecnologia, que custou 10 milhões de dólares e levou cerca de um ano [só para você ter uma ideia do que isso representa, District 9 custou 30 milhões de dólares para ser feito]. Ao final desse período, ele tinha em mãos um clipe de 40 segundos e duas possibilidades: ou o estúdio via ali algo inovador que valeria a pena colocar mais dinheiro, ou cancelava tudo... deixando Cameron livre para tentar vender seu projeto para outras pessoas. Nada como ser o diretor que fez Titanic para a Fox e arrecadou mais de 1.8 bilhão de dólares ao redor do mundo, certo?

Por falar em dinheiro, os dois também comentaram a atual crise econômica mundial. Segundo Peter Jackson, "a recessão mundial fez com que os estúdios deixassem de fazer apostas para colocar seus recursos no que é seguro". Cameron foi além e analisou também a queda das vendas de DVD, que ajudam a pagar as contas dos filmes, e que "sem esse dinheiro vai ser cada vez mais difícil para épicos como esses que nós gostamos de fazer acontecerem, a não ser que consigamos bolar um jeito de baratear ainda mais os custos da computação gráfica."

Hollywood é sabidamente voltada para seu próprio umbigo. Por isso há atores que ganham 20, 30 milhões de dólares para fazer um filme. Tanto Cameron quanto Jackson não costumam gastar esse tipo de dinheiro com atores, preferindo achar rostos menos conhecidos e gastar essa verba toda com os efeitos especiais. E quando o assunto é olhar para fora de Hollywood, ninguém fez um trabalho melhor do que Peter Jackson, que conseguiu levar a indústria cinematográfica para o seu pequeno país. "Há indústrias consolidadas em países como França e Inglaterra, mas quando os diretores ficam conhecidos eles vão para Hollywood para conseguir mais dinheiro para seus filmes e para si mesmos, e acabam sendo engolidos pelo sistema. Ele preferiu fazer o contrário e levar milhões, bilhões de dólares para sua terra natal e criar em Wellington um polo de cinema", lembra Cameron. "Nós tínhamos essa cultura do baixo orçamento e mantemos isso. Os atores costumavam brincar durante a filmagem de O Senhor dos Anéis, que era o maior filme de baixo orçamento que eles já tinham visto, porque mesmo tendo um orçamento grande, tudo era muito simples, sem grandes trailers ou gastos desnecesários. Preferimos gastar mesmo no que as pessoas veriam na telona", completou Jackson.

Os videogames também foram pauta. Peter Jackson, que teve em suas mãos o projeto que levaria Halo para as telas, falou o que o atrai nesse universo: "Tenho um filho de 14 anos. Na idade dele, eu tinha um calendário de quais filmes seriam lançados naquele ano e que eu ia querer ver. Ele tem essa mesma preocupação, mas com jogos. Talvez isso também seja uma consequência da recessão atual, pois os filmes não são tão inovadores como podem ser alguns jogos. Quando nós cineastas voltarmos a assumir alguns riscos e a economia ajudar, espero que volte a ser como antes. Os filmes são muito superiores no campo das emoções.". "Você não chora quando está jogando um game", brincou Cameron, "a não ser quando você está prestes a terminar uma missão e morre. Mas é um tipo diferente de choro". "Ou então quando você leva um banho do seu filho de 14 anos, que também é outro tipo de choro", completou Jackson.

O 3D é algo que move os dois. Na Comic-Con, Cameron disse que Titanic já está sendo transformado em 3D de alta qualidade. Ele já viu cerca de 5 minutos está ficando ótimo. E vale lembrar que estamos falando de uma pessoa que não liga em ficar 10, 12 anos desenvolvendo tecnologias para conseguir o melhor resultado possível. Por isso, espere para daqui a um ano e meio ou dois uma nova onda de DiCaprio-mania e (oh, não!!) Celine Dion. Já para a trilogia de O Senhor dos Anéis, Jackson disse que adoraria passar seus filmes pelo mesmo processo, mas que por enquanto isso é algo que não interessa à Warner (detentora dos direitos do filme), pois não há salas 3D o suficiente que façam o investimento valer a pena. E agora você vai entender a genialidade ali presente: "As pessoas precisam entender o 3D como um eco-sistema. A partir do momento que tivermos um Titanic e O Senhor dos Anéis em 3D, mais gente vai se interessar em colocar projetores novos, os desenvolvedores de blu-ray e televisores vão começar a desenvolver uma forma das pessoas terem isso em casa, etc. A Warner precisa mostrar mais culhões nesse assunto", disse Cameron.

Outra tecnologia que é ligada aos dois cineastas é a captura de movimento, ou captura de performance, que é quando os atores usam aqueles macacões cheios de pontos e mapeiam também todo o seu rosto para que cada movimento do corpo ou facial seja captado pelos computadores e reproduzidos em um personagem criado digitalmente. O mais célebre personagem a usar esse tipo de tecnologia é o Gollum e não apenas Cameron está usando uma versão atualizada em seu Avatar, como Steven Spielberg também, em The Adventures of Tintim: Secret of the Unicorn. Para o diretor de Titanic, "os atores não têm de ficar preocupados. Eles têm é de saber mais sobre essa tecnologia. Ela não os substitui, mas dá mais poder a eles. Agora, eles não precisam mais ficar horas fazendo maquiagem e as suas expressões estão ainda mais visíveis. Por isso não gosto de chamar de captura de movimento, mas sim de captura de performance, pois pega todas as expressões do corpo e rosto. Atuar não é só se mover, é mostrar emoção. Hoje em dia é possível capturar 100% do que o ator está fazendo. Com essa tecnologia, uma atriz pode fazer o papel de um ator, um menino de 24 anos pode fazer um velho de 95 e vice-versa. Will Smith vai poder fazer um filme de ação aos 75 anos e com a aparência que ele tem hoje, se ele quiser. Mas não acho que seria legal ter um filme da Marilyn Monroe porque não é mais ela atuando. Mas se Clint Eastwood quiser fazer um novo Dirty Harry, eu com certeza iria ver."

Um dos ápices do bate-papo entre os dois foi quando o mediador perguntou se eles já haviam chegado a um momento de suas carreiras em que estavam frente a frente com algo impossível de ser feito. Peter Jackson disse: "Não. Porque parte da diversão de fazer cinema é resolver problemas. Se tem uma coisa que parece impossível, o legal é justamente descobrir como tornar aquilo realidade." E Cameron mais uma vez roubou a cena com a seguinte declaração: "Existem três zonas. A que as outras pessoas já provaram que é possível. A que é impossível e você seria um completo maluco se tentasse fazer. E uma no meio, que é impossível hoje, mas pode ser possível em um ano. É ali que gosto de ficar, pois me dá a possibilidade de fazer algo que ninguém fez ainda." Se você que está lendo isso sonha em um dia ser um cineasta, está dada a dica de como se sobressair.

Outra resposta fenomenal veio do Peter Jackson, quando foi questionado sobre o que ele sentia sabendo que algumas pessoas assistiriam aos seus filmes em um aparelho portátil que cabe na palma da mão? "É uma pena. Se uma pessoa quer ter a experiência completa de ir ao cinema, essa não é a forma certa. É algo diferente. Não é para isso que nós trabalhamos, mas é uma escolha que a pessoa faz. Ter um filme no iPod é como ter um cartão postal de Paris no seu mural. É uma lembrança. Nunca vai superar a Paris de verdade."

O futuro é algo que deve mudar bastante, mas não a ponto de termos hologramas ou começar a misturar outros sentidos à experiência de ir ao cinema, como um vento no rosto ou cheiros. Para Cameron, o que deve ser melhorado é a qualidade das imagens que nós vemos hoje, que está quase chegando ao nível do som surround, que já está aí há 20 anos. Uma das maneiras é aumentar o número de quadros por segundo que atualmente é 24 para 48, o que diminuiria borrões na tela e aumentaria a qualidade. E isso não diz respeito a computação gráfica, mas fotografia mesmo. "Quando a NBA nos procurou para usar a Câmera Fusion [desenvolvida pela empresa de Cameron e capta imagens em alta qualidade e 3D estereoscópico] no Jogo das Estrelas, eles falaram que não queriam gravar em 24 quadros por segundo porque não ficava bom e fizemos em 60", lembra Cameron, que disse que alguns projetores de hoje em dia já aguentam até 144 fps.

E se você está pensando em ir aos Estados Unidos no ano que vem, considere colocar na sua agenda uma visita ao parque de diversões da Universal. Peter Jackson está encarregado de construir a nova atração do King Kong, já que a anterior acabou queimada no incêndio que ocorreu ano passado. A nova atração terá a luta entre o macacão e o T-Rex, em 3D e usando os 60 quadros por segundo que James Cameron havia citado antes... e com jatos de água e de ar quente simulando babas e outras coisas que podem vir de uma briga dessas, tudo pensado para usar o máximo dos sentidos possíveis e levar o público literalmente para a ilha da Caveira.

Enquanto esse futuro imaginado por James Cameron e Peter Jackson não chega, nós vamos fazendo como Elijah Wood, Dominic Monaghan e os produtores de Lost Damon Lindelof e Carlton Cuse, que estavam na plateia acompanhando cada palavra e aprendendo.

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