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O Futuro da Humanidade Segundo a Ficção Científica - Parte 1: Utopia

Sete tipos de mundos idealizados que podem ser encontrados no cinema

12.09.2012, às 16H30.
Atualizada em 21.09.2014, ÀS 14H45

Que tipo de futuro espera a humanidade? E como o cinema imagina esse futuro? Neste artigo especial, vamos em busca de possíveis respostas - na primeira parte, as mais otimistas, e na segunda (que publicaremos na semana que vem), as mais pessimistas.

A etimologia da palavra utopia consiste em uma tradução dos termos gregos "lugar nenhum" e "bom lugar". Significa a criação de um mundo ideal, fantástico, tão perfeito que não necessariamente existe ou existirá na realidade - ao contrário da sua antítese, a sociedade absolutamente desarmônica, a distopia.

A primeira literatura sobre o assunto se encontra na filosofia: em A República, Platão discorre sobre Calípole, uma cidade de organização ideal. É nesse livro que se encontra a famosa alegoria da caverna, que parte do princípio de que existe um mundo ideal que nós, humanos, não podemos reconhecer, por estarmos amarrados a uma caverna, em que somente sombras dessa utopia são apresentadas a nós.

A utopia do mundo perfeito é elemento constante na ficção. Nesta primeira parte, traçamos uma relação dos mundos utópicos e de suas representações no cinema de ficção científica. Como veremos a seguir, mesmo o mundo perfeito deve incluir algum conflito - afinal, é da interseção entre fantasia e movimento que nascem as histórias.

Star Trek

Tipo de utopia: ideal

A coleção de séries de TV e dos filmes de Jornada nas Estrelas (Star Trek) apresenta o futuro de perfeição suprema, em que a humanidade uniu-se em busca de demandas mais nobres, como a diligência pelo conhecimento e pela paz. A Frota Estelar é uma armada pacífica, habitada por uma tripulação filantrópica e etnicamente diversa, e as tramas tratam com otimismo de assuntos de valor, como racismo, religião e direitos humanos (e de alienígenas). Além disso, a sociedade dispensou coisas mundanas como o dinheiro, e pode apostar no trabalho como um meio para realmente enaltecer o homem.

Claro, há batalhas, raças e pessoas que ameaçam esse modo de viver. Porém, a espaçonave Enterprise sempre termina dadivosa, depois de aprender alguma lição valiosa. Vale notar que há vários tipos de utopias presentes nos filmes - econômica, financeira, tecnológica - e também há a utopia ecológica, na qual a sociedade aprenderia novos modos de se relacionar com seu ambiente ou com a natureza, em uma tradução da imagem do bom selvagem (frequente em diversas obras, mais recentemente em Avatar).

Horizonte Perdido

Tipo de utopia: possível

Sabe aquele dizer popular "É bom demais para ser verdade"? Se você encontrasse a sociedade perfeita, você acreditaria que ela realmente existe, ou naufragaria em um sem fim de teorias de conspiração? Pois no filme de 1937 Horizonte Perdido (Lost Horizon), baseado no romance homônimo de James Hilton, o protagonista Robert Conway encontra um tipo de Jardim do Éden depois de um acidente de avião: o vale de Shangri-la. Um local paradisíaco onde ninguém envelhece, e a longevidade era próxima de ser um tipo de imortalidade. Claro, também é proibido abandoná-lo.

Quando Conway descobre que foi trazido propositalmente pelo líder da comunidade para assumir o seu lugar, ele passa a desconfiar do propósito do local e de seu guia. Tentado por outros habitantes para fugir, Robert descobre que, ao sair do vale, sua idade real volta toda ao mesmo tempo. Contudo, enquanto o livro tenta provar o ponto de que a utopia tem seu preço, o filme passa a mensagem de que ela é possível, caso possamos deixar nossos medos de lado. Horizonte Perdido ainda ganhou nova adaptação, em 1973.

O Homem Bicentenário / Eu, Robô

Tipo de utopia: purificada

O pensamento utópico de Isaac Asimov, autor do conto do Homem Bicentenário (que ganhou adaptação cinematográfica em 1999, dirigida por Chris Colombus) e das Leis da Robótica e partes da história do filme Eu, Robô (de 2004, dirigido por Alex Proyas), se dá de maneira histórica. Isto é, o autor está mais interessado em desenhar o trajeto que leva a uma sociedade a ser utópica do que necessariamente descrever detalhadamente como seria este mundo perfeito. Sendo assim, ambos os filmes - embora adaptem um pouco o original asimoviano - não tentam apresentar um paraíso, mas uma comunidade avançada em que tudo parece se encaixar.

O interessante é que a visão mais antropológica deixa espaço para melhorias, e é aqui que os contos tomam forma: é possível encontrar a discussão do que é ser humano, e de como aperfeiçoar a condição humana. O robô que pode ser humano, este é o cerne das obras. Ademais, os conflitos principais não acontecem entre humanos, mas entre humanos e robôs, o que distancia a noção de problemas dentro da raça humana. Isto é, depois de encontrar novas formas de vida, a humanidade pode deixar de se focar em suas questões e abraçar uma visão mais larga da realidade. Uma visão comum da ficção científica utópica, que prima por purificação.

Mary Shelley's Frankenstein

Tipo de utopia: feminina

Talvez seja novidade para alguns leitores, mas entre as ficções sobre utopias, a feminina é uma das mais proeminentes. Muitos escritores tentam dissertar sobre como ficaria a questão dos gêneros sexuais no futuro, e as tipologias são diversas: há mundos em que só sobraram mulheres, outros em que a função de reprodução não é somente feminina, universos de verdadeira equabilidade entre homens e mulheres; todos eles retratam algum tipo de mudança de uma sociedade paternalista para algo completamente diferente, mais equacionado.

Um dos primeiros escritos encaixados nesse estrato é Frankenstein: ou o Moderno Prometeu, de Mary Shelley. A autora foi influenciada, entre outras inspirações, por sua mãe, que era pesquisadora dos direitos femininos. No livro, e na sua adaptação para o cinema estrelada e dirigida por Kenneth Branagh - Mary Shelley's Frankenstein, de 1994 - o enfoque é a criação de vida de maneira assexuada, por meio de tecnologia. Claro, no filme, o final não é necessariamente feliz para o homem que arrisca a maternidade, mas esta foi uma das primeiras vezes em que o conceito foi aplicado à ficção científica. Vale lembrar que a utopia feminina é a que menos se utiliza de um ponto de vista generalista, o "bom lugar" a partir de uma visão de gênero.

Minority Report - A Nova Lei

Tipo de utopia: questionável

Por vezes, toda a sociedade está absolutamente serena em um distante futuro utópico, mas o protagonista da história não se encaixa, ou descobre alguma falha no sistema. Diferentemente de futuros distópicos, em que a utopia é uma exclusividade de poucos privilegiados, nesta versão o idealismo funciona para todos, mas por vezes se prova contrário à própria natureza humana.

Assim como a ironia de haver um lugar "bom" que é ao mesmo tempo um lugar "nenhum", esse tipo de filme quer questionar exatamente o cruzamento entre possível e impossível. Minority Report - A Nova Lei, filme de 2002 inspirado no conto homônimo de Philip K. Dick, demonstra esse tipo de utopia. Agente da divisão de pré-crimes, repartição policial que confronta os assassinos antes mesmo de cometerem o crime, apostando em um tipo de oráculo, John Anderton (Tom Cruise) parte em uma demanda pessoal, quando descobre que ele mesmo mataria uma pessoa em menos de trinta e seis horas. Se o sistema é preciso, porque então diz que "nosso herói" na verdade pode ser um criminoso? O tema aqui é determinismo versus livre-arbítrio.

A mesma questão é tratada em diversos filmes, como Gattaca, de 1997, em que o personagem principal, Vincent Freeman (Ethan Hawke), tenta realizar seu sonho, trapaceando o sistema aparentemente ideal que escolhe papéis sociais com base na eugenia. Ainda outro exemplo da categoria da utopia questionável é A Vida em Preto e Branco (Pleasantville), de 1998, em que os irmãos David (Tobey Maguire) e Jennifer (Reese Witherspoon) acabam dentro de um seriado dos anos 1950, em que todos vivem em um tipo de eterno paraíso, mas Jennifer começa a alterar essa ordem perfeita, para o desgosto de David. O conflito principal do filme é qual a medida entre ordem e caos, entre repressão e expressão.

A Costa do Mosquito

Tipo de utopia: criável

Como pode um ser humano imperfeito tomar as rédeas da criação de uma sociedade perfeita? Em A Costa do Mosquito (The Mosquito Coast), drama de 1986, o inventor Allie Fox, interpretado por Harrison Ford, parte com a família para Jeronimo, na América Central, e lá toma para si a tarefa de criar uma nova e mais avançada sociedade. O problema é, claro, o confronto entre ideal e real, já que mesmo Fox não pode fugir da sua condição humana falha. Ao enfrentar problemas com os trabalhadores, religiosos, rebeldes e gangues, Fox pode ser considerado um visionário ímpar ou um louco com planos improváveis.

A Máquina do Tempo

Tipo de utopia: hemisférica

Provavelmente a recriação mais fiel de uma utopia do tipo ecológica esteja no filme A Máquina do Tempo (The Time Machine), que George Pal dirigiu em 1960 com base no popular romance de H.G. Wells. Na trama, o cientista George constrói um aparato para viajar no tempo e visita um futuro absolutamente distante. Lá, ele encontra os Elois, uma raça que vive em perfeita harmonia com seu ambiente, que não precisa de muito para estabelecer uma comunidade funcional, e, mais importante, mantém a pureza do tal bom selvagem. Por vezes, os Elois podem parecer até ingênuos demais, pouco inquisitivos e um tanto acomodados com sua situação. Isso porque a premissa da malícia está toda concentrada em uma raça oposta: os Morlocks, que habitam o submundo.

Numa interpretação de A Máquina do Tempo, uma comunidade perfeita e singela só pode acontecer quando há o seu oposto, sua polaridade, em um outro hemisfério. Livrar-se da malícia seria livrar-se de tudo que existe de mal, em uma dicotomia perfeita. Isto é, a utopia só pode acontecer pela metade. A Máquina do Tempo já foi adaptado ao cinema algumas vezes; a mais recente em 2002, com direção de Simon Wells.

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