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Califórnia | Crítica

Entre belezas e imperfeições, filme marca a elegante estreia de Marina Person como diretora de ficção

06.10.2015, às 11H01.

Segundo a geografia de afetos cartografada por Marina Person em seu primeiro longa-metragem de ficção como realizadora, exibido na segunda à noite na Première Brasil, a Califórnia fica logo ali. Mas esse “ali” não quer dizer um perímetro físico, demarcado no mapa dos EUA, e sim uma área emotiva - às vezes doída, às vezes chapada - no imaginário da gente, não importa a idade. Nela residem sonhos de conquista da liberdade, ao explorar a imensidão de um mundo celebrizado pelo cinema e, ao lado desses sonhos, moram músicas – aquelas das boas, tipo The Cure e cia. - que embalam a perdas de diferentes virgindades: a de beijos na boca, a da transa inaugural, a da inocência frente às decepções que o verbo “amadurecer” nos apronta. Essa Califórnia virou filme. Algo que quem nunca viu Person, o documentário dirigido por Marina em 2007, sobre seu pai (Luís Sérgio, diretor do clássico São Paulo S/A), chamaria de um filme-casulo. Por quê? Porque Marina entrou nele ainda um pouco VJ e saiu cineasta com “C”, com a maturidade do risco e a sabedoria de fazer da delicadeza seu norte.

Entre imperfeições e belezuras, acertos e falhas, Califórnia se equilibra como um filme de estreia elegante: suas ambições narrativas são de fôlego curto, mas seu poder de comunicabilidade é farto, pelas veredas da doçura, com o açúcar Ploc da década de 1980. É sobre ela que o longa fala. Ou melhor, é, a partir dela, que o longa fala, a fim de retratar o desaguar das expectativas da adolescente Estela (a.k.a. Teca) num mar de sabores e dissabores... aqueles que só se vivem aos 17 aninhos. É essa a idade que Teca tem em 1984, quando espera a viagem aos Estados Unidos prometida desde 1982, quando abriu mão de sua festinha de debutante. Detalhe importante: Teca revela ao cinema Clara Gallo, jovem atriz com fome de atuar bem e uma beleza daquelas que se define melhor com a expressão “Pra casar”. Seu desempenho é intenso, sem jamais resvalar nas caricaturas da aborrescência.

Para Teca, a meta do futuro é viajar América adentro para conhecer o lado Norte do Novo Mundo ao lado de seu tio (e super-herói) Carlos, um jornalista especializado em rock vivido por Caio Blat. Enquanto o passeio esperado não chega, a mocinha encara o colégio, dividida entre cochichos com as melhores amigas e flertes com o aspirante a surfista Xande (Giovanni Gallo). Nesse período, chega ao colégio, por transferência, um aluno novo, de visual à la Tim Burton, de quem nada se sabe e tudo se especula (sobretudo que ele é gay): JM, papel confiado ao surpreendente Caio Horowicz, “o” coadjuvante da Première 2015 até aqui.

Dividida entre a paixão pueril por Xande e a curiosidade/ fascínio por JM, Teca se escora na corda bamba da educação sentimental inerente à sua idade, agravada pela volta inesperada de Carlos, agora mais magro e suscetível a gripes e afins. É na figura dele que o filme se fragiliza, não por deslizes na interpretação de Caio, vigoroso a todo gesto, mas sim pela incapacidade do roteiro de lidar com a força do personagem. Já na primeira cena de Califórnia, fica a sugestão de tudo o de forte e vivo que Teca é. Até na ausência da distância ele é onipresente nos ritos diários da sobrinha. Mas sua volta – que prometia virar e revirar o filme – é mal aproveitada, limitada a cenas que exploram pouco (às vezes mal) o “tamanho” do personagem (e o talento de seu intérprete). Tem Carlos (e Caio) de menos e tem previsibilidades demais, a começar pela opção (desgastada) de julgar Xande, o menino sufista, relegando a ele atitudes mesquinhas. O mesmo vale para o retrato rasteiro do pai de Teca, vivido por Paulo Miklos.

São arranhões que vincam mas não chegam a rasgar um tecido resistente, com cheiro de saudade (dos anos 1980) costurado por Marina com a ajuda do bom elenco de feições teen e a participação (sempre notável) da atriz Gilda Nomacce (a melhor de sua geração) na pele de uma empregada doméstica. Destaca-se ainda um nutriente a mais, capaz de fazer o filme crescer: a fotografia de Flora Dias, sempre numa paleta de cores que nunca berra, mas captura o olhar. A fusão de imagens de arquivo e encenações também é rica, criando terreno para um resgate de tempo capaz de deixar Marina refletir sobre a eclosão da Aids e o alvorecer do B-Rock e, de quebra, emocionar a plateia, sem arroubos de invenção, mas com ternura, sobretudo quando toca The Caterpillar, na voz de Robert Smith para “curar” nossas ressacas, sobretudo a descrença no poder regenerativo do verbo “amar”.

Nota do Crítico
Bom
Califórnia
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Califórnia
California

Ano: 2015

País: Brasil

Classificação: 14 anos

Direção: Marina Person

Elenco: Caio Blat, Paulo Miklos

Onde assistir:
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