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Crítica

Crítica: Cidadão Boilesen

Documentário se afiança no testemunho dos seus entrevistados para legitimar linchamento

26.11.2009, às 16H00.
Atualizada em 19.11.2016, ÀS 08H09

O documentário Cidadão Boilesen, premiado no último festival É Tudo Verdade, termina com o depoimento de um pedestre na Rua Henning Boilesen, no bairro do Jaguaré, em São Paulo. O entrevistador pergunta ao senhor se ele sabe quem é o tal Henning. "Não é aquele estrangeiro que trocaram por presos políticos e colaborava com a ditadura?", responde ele, transformando Boilesen e o embaixador Charles Elbrick em um só.

À parte o anedótico da situação, ela deixa claro como é complicado confiar na memória - ainda mais em um país avacalhado pela amnésia, que evita abrir seus arquivos históricos desde a Guerra do Paraguai - para sustentar um documentário. O diretor Chaim Litewski tem acesso privilegiado a vários protagonistas da política nacional da época dos porões da ditadura, mas, quarenta anos depois, até que ponto seus testemunhos são fidedignos? Ou, antes disso, escorar-se nos testemunhos basta?

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Neste caso, a situação fica mais complicada porque temos poucos papéis e muitos cacos de memórias. Henning Boilesen nasceu na Dinamarca e se mudou para o Brasil, onde teve carreira bem-sucedida como industrialista. Presidente do grupo Ultra, dos botijões Ultragaz, serviu de contato - de acordo com várias pessoas - entre o empresariado e o governo militar. Muita gente espalha, e aí poucos podem atestar de fato, que Boilesen não só defendeu o regime como assistia a sessões de tortura.

Litewski ouve do oficial que dirigiu a Oban, Dirceu Antônio, que o empresário realmente era espectador constante na masmorra. O filho de Boilesen nega. Entre um e outro, o coronel Brilhante Ustra, comandante do DOI-Codi e primeiro oficial a ser declarado torturador em uma sentença judicial, diz que Boilesen só esteve no porão da Oban uma vez. O problema não é saber em quem acreditar, mas se afiançar - como o documentário frequentemente faz - em um dos lados para reconstruir a imagem de Boilesen.

Documentários como Na Captura dos Friedmans ou O Homem Urso mostram como é difícil desvendar a mente dos homens só com base em relatos. Nos dois casos, tem-se a dolorosa constatação de que nem a imagem basta como evidência. Já Litewski mata a questão das supostas tendências sádicas-voyeurísticas de Boilesen ao pegar um depoimento certeiro (o empresário, ao receber um prêmio, diz que preferia não aparecer, ficar atrás) e ao resgatar, oportunamente, um boletim da escola que acusava comportamento suspeito do jovem dinamarquês.

Henning Boilesen pode até ser o maior escroto do mundo, mas é muito injusto (ou no mínimo parcial) reduzir sua figura desse jeito. Revelações que não adicionam nada ao tema do filme, como o fato de Boilesen ter vivido com duas mulheres, são elencadas como se documentário fosse sinônimo de prontuário. O linchamento se estende a outros empresários do período, como Amador Aguiar, fundador do Bradesco, acusado por um entrevistado de também assistir a torturas. Não importa se ele é de verdade o Mal encarnado; Aguiar, morto em 1991, não tem no filme a chance de se defender.

As boas lições que Cidadão Boilesen deixa têm pouco a ver com Henning Boilesen. No meio de tantas declarações assertivas, o filme é muito instrutivo pelo que tem de subtexto: a forma como o denuncismo se arraigou nos procedimentos investigativos da nossa mídia, a relação promíscua entre governo e iniciativa privada que hoje conduz ao chamado capitalismo de estado, e principalmente o rancor de direita e de esquerda que a Lei da Anistia não deu conta de apaziguar e varreu-se institucionalmente sob o tapete.

"Fatos criam normas. A verdade, iluminação", disse Werner Herzog em uma palestra em Minneapolis em abril de 1999.

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Nota do Crítico
Regular
Cidadão Boilesen
Cidadão Boilesen
Cidadão Boilesen
Cidadão Boilesen

Ano: 2009

País: Brasil

Classificação: 14 anos

Duração: 92 min

Direção: Chaim Litewski

Onde assistir:
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