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As Fábulas Negras | Crítica

Antologia de terror homenageia José Mojica Marins da melhor maneira: emulando seu discurso irônico contra dogmas religiosos

11.10.2015, às 22H07.
Atualizada em 29.06.2018, ÀS 02H37

A possibilidade de tratar de forma irônica dos dogmas religiosos no Brasil, uma das marcas do cinema de José Mojica Marins, o Zé do Caixão, está absolutamente preservada e é o grande atrativo de As Fábulas Negras, antologia de terror que marca a volta de Mojica à direção, às vésperas dos seus 80 anos e sete anos depois de seu último longa, Encarnação do Demônio.

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Rodrigo Aragão, o diretor de Mangue Negro que organiza a antologia, dirige o primeiro e o último capítulo, respectivamente sobre um monstro de esgoto e a entidade das águas Iara. "Pampa Feroz" (direção de Petter Baiestorf), sobre o lobisomem, e "A Loira do Banheiro" (de Joel Caetano), sobre a lenda urbana do título, complementam a sessão, que tem Mojica na direção e no elenco de seu segmento, "O Saci".

O fato de As Fábulas Negras ser quase todo pautado por essa escolha de figuras do folclore nacional - criadas em cena com o melhor que um baixíssimo orçamento pode comprar em matéria de próteses, roupas, marionetes e sangue falso - seria o principal interesse da antologia, à primeira vista. Quatro crianças contam as histórias entre si, para ver quem se assusta mais, e o filme tem plena noção do caráter lúdico desses monstros de fábula, como saci e lobisomem. O que de fato une os vários episódios, porém, é o uso do folclore como "disfarce" para tratar de questões menos infantis da identidade brasileira - em especial, o mito do sincretismo.

Porque se há uma coisa muito premente do Brasil de hoje que é bastante explorada dentro de As Fábulas Negras é o fato de fundamentalistas cristãos tratarem as religiões negras como um crime. Historicamente, o candomblé é associado ao ocultismo para gerar lendas como a do saci, mas o filme (que por sinal é tipicamente brasileiro no seu poder de escracho) faz questão de opor violentamente os pais de santo aos falsos evangélicos, retratados como hipócritas que escondem entre quatro paredes uma pulsão sexual incontrolável.

Mesmo quando esboça uma aproximação com o horror moderno americano no episódio da Loira do Banheiro, As Fábulas Negras ainda tende ao retrato do Brasil que concilia sexo e credo numa harmonia muito particular (figuras religiosas são tão constantes nos cenários do filme quanto seios de fora). Embora alcance alguns instantes de horror de fato (a cena da destransformação do lobisomem é especialmente eficiente), a antologia tira mais proveito do direito de expressão que só um gênero "desprestigiado" como o horror dá - e faz um filme com opiniões contundentes sobre o país hoje, embora pareça apenas um exercício caseiro de cinefilia.

Nota do Crítico
Bom

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