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Crítica

A Pele de Vênus | Crítica

Roman Polanski exorciza suas relações de sexo e castigo em filme que torna o teor autobiográfico um elemento central

23.09.2015, às 20H42.

Relações de poder, sexo e castigo se repetem nos filmes de Roman Polanski desde o início de sua carreira, e com o tempo ganharam conotação autobiográfica muito por conta dos problemas do cineasta polonês com a Justiça americana. Se em A Pele de Vênus (Venus in Fur) o diretor parece tratar essas questões de forma mais franca e frontal, num jogo metalinguístico que expõe a própria figura do artista, talvez seja porque o próprio material se dispõe a isso.

O livro de 1870 que deu origem à história, sobre um homem que por paixão e fetiche se torna escravo de uma mulher, com direito a chicote e roupas de couro, já é notoriamente autobiográfico. O austríaco Leopold von Sacher-Masoch reproduziu em Venus im Pelz as relações de dominação que mantinha em sua vida íntima, e sua figura se tornou indissociável do elemento central da novela, o masoquismo (termo cunhado a partir do sobrenome do escritor). No filme de Polanski, adaptação ao cinema da peça off-Broadway homônima de David Ives, um diretor de teatro procura uma atriz principal para sua releitura de Venus im Pelz, e o processo também traz à tona suas idiossincrasias.

No filme, Emmanuelle Seigner, esposa de Polanski, vive Vanda, a atriz aspirante que aparece numa noite chuvosa no teatro onde o diretor Thomas (Mathieu Amalric) passou o dia fazendo testes com atrizes para sua montagem. Na trilha sonora lúdica de Alexandre Desplat, que neste começo de filme sugere uma premissa de terror (acompanhada dos devidos efeitos de relâmpagos na tempestade), e na câmera de Polanski, que desliza do lado de fora do teatro como um fantasma, a figura de Vanda imediatamente pode ser confundida com uma projeção: vinda dos sonhos ela invadiria o espaço de Thomas como materialização dos desejos e das fraquezas do dramaturgo.

Porém, no jogo que faz até o fim num vaivém de representações - o filme é basicamente composto de réplicas entre Vanda e Thomas, que através da leitura do texto da peça transformam o teste da atriz em uma disputa de poder entre o artista e a musa - Polanski vai intercalando o onírico (como o passado e a memória ganham vida no palco) com o mundano (as gírias e a descompostura de Vanda, o toque insistente do celular), para nos relembrar de que Vanda é, antes de mais nada, sua presença física, sua carnalidade, e jamais poderia ser somente um espectro de fantasias e frustrações.

O que toma forma em A Pele de Vênus, então, são menos as cruzes que Polanski carrega consigo (embora elas estejam sempre presentes) e mais uma representação incontestável dessas relações de sexo e culpa que o cineasta exorciza em vários de seus filmes. Essa representação ganha força por meio de seus protagonistas - Amalric, ator que sempre soube transmitir em seus papéis tanto uma fraqueza quanto uma inquietação, e Seigner, com sua voluptuosidade que não pede desculpas - num exercício que é essencialmente de atuação. Embora este seja um filme naturalmente aberto às interpretações mais difusas (fala da vida, de arte, de gêneros, de autoconhecimento, de alteridade...) Polanski nunca perde de vista o rigor da encenação, nem a noção mais pura do teatro, que é tornar o verbo uma expressão corporal.

Nota do Crítico
Ótimo
A Pele de Vênus
La Vénus à la Fourrure
A Pele de Vênus
La Vénus à la Fourrure

Ano: 2012

País: França

Classificação: LIVRE

Duração: 96 minutos min

Direção: Roman Polanski

Roteiro: Roman Polanski

Elenco: Emmanuelle Seigner, Mathieu Amalric

Onde assistir:
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