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A história do cinema sempre teve aqueles filmes que derrubaram barreiras, que mostraram o que ninguém ousava mostrar, que foram além, e que acabaram por cair na fogueira dos Grandes Filmes Polêmicos. Além, é claro, de ganharem seu parágrafo e foto nas páginas dos livros sobre a sétima arte. Começa lá por O Nascimento de uma Nação, de Griffith, e vai pulando gerações: Diabolique, O Império dos Sentidos, A Última Paixão de Cristo...
Irreversível e seu diretor, Gaspar Noé, querem seu pedacinho nos livros, na mesma categoria. Merecem?
O primeiro longa de Noé, Sozinho Contra Todos (de 1998, que só passou por alguns festivais cult no Brasil), já buscava esse espaço, com cenas bastante pesadas. Mas Irreversível foi uma auto-superação, trazendo atores de peso a uma produção melhor cuidada e mostrando ao público que idéias muito piores podem sair daquela cabeça. Na sua primeira exibição, no Festival de Cannes 2002, arrancou dos críticos o que deve ter soado como elogios: Repulsivo!, Doentio!, Gratuito!
Por que tanto alarde? Bom, a cena em que a personagem de Monica Belucci, Alex, é violentamente estuprada dura por volta de dez dolorosos minutos, sem cortes, nos quais a câmera parece ter sido deixada no chão, esquecida ali para testemunhar o ato realmente (obrigado, críticos) doentio. Numa cena anterior, Pierre (Albert Dupontel), um dos personagens principais, joga um homem no chão e começa a, na falta de um termo mais apropriado, esfacelar o rosto deste com um extintor de incêndio - as batidas fazem um curto barulhinho seco (tump). É a parte do filme em você sente que não devia ter comido tanta pipoca. E ainda não se passaram nem 20 minutos.
O próprio trabalho de direção e edição é perturbador. Só para começar, a história é contada ao contrário, como em Amnésia. Cada cena é rodada totalmente sem cortes, até a câmera dar uma pirueta e nos jogar em uma nova cena, que na verdade é uma parte anterior da história. Falando da câmera, ela fica poucas vezes parada e quase não faz um movimento tradicional ou comum. Ela passeia nervosamente pelo cenário, entrando por janelas e portas, correndo junto dos personagens, caindo, girando, deixando as coisas de cabeça-para-baixo, fugindo do foco...
A trilha sonora, quando existe, serve apenas para oprimir o espectador. Numa das primeiras cenas, na qual Pierre e Marcus (Vincent Cassel) visitam um inferninho gay em busca do estuprador, a trilha lembra o motor de carro ligando e apagando, ligando e apagando, ligando e apagando, sobreposta à música techno incessante do ambiente, que por sua vez é todo iluminado em vermelho, com aquela câmera que não pára de balançar. E então Pierre pega o extintor e derruba o cara no chão... Não é para quem tem coração fraco.
Noé força os sentidos do público, mas na verdade quer fazer uma fábula sobre o destino. A montagem ao contrário casa com uma frase que é dita tanto no início quanto no fim do filme: O tempo destrói tudo. A cada retrocesso no tempo, a história vai ficando mais leve, feliz, o que acaba impondo a idéia da impotência, e de tristeza, diante do destino dos personagens. A cada cena que passa, o filme pergunta por que as coisas não aconteceram de outra forma, por que não tomaram outro rumo, por que nós somos vítimas do destino? O tempo é o inimigo, o destino destrói tudo. O tempo é irreversível.
Talvez o diretor tenha realmente forçado a barra na estética violenta, mas é inegável que construiu algo bastante interessante. Certamente já está nas páginas dos livros de filmes polêmicos, principalmente pelo escândalo em Cannes, e dificilmente vai sair de lá para realmente ser assistido e entendido. Merecia um lugar melhor.
Ano: 2014
País: EUA
Classificação: 14 anos
Duração: 138 min
Direção: Juan Pablo Buscarini
Roteiro: Axel Nacher, Fernando Schmidt
Elenco: Juan Carlos Mesa, Jorge Guinzburg, Mariana Fabbiani, Alejandro Fantino