Filmes

Entrevista

A Frente Fria Que a Chuva Traz | "As favelas viraram um videogame para playboys", afirma diretor

Bruna Linzmeyer faz a garota de programa Amsterdã na produção

27.04.2016, às 13H03.

Recordista de bilheteria nos anos 1970 e 80, quando viu A Dama do Lotação (1978) vender cerca de 7 milhões de ingressos à força das curvas de Sônia Braga, o diretor (e transgressor profissional) Neville D’Almeida sai da toca, depois de amargar um jejum cinematográfico de 18 anos, com um novo filme A Frente Fria Que a Chuva Trazque estreia nesta quinta-feira. A base é o texto teatral homônimo de Mario Bortolotto. Paiol de provocações morais, como é da natureza deste septuagenário cineasta mineiro, o longa-metragem se alinha ás fileiras do chamado favela movie, narrando uma festinha na laje de uma comunidade fincada na periferia da alta classe média carioca. Em meio aos prazeres fúteis de jovens ricos (vividos por Johnny Massaro e Chay Suede) e às intervenções de um astro do pagode (Michel Melamede), a garota de programa Amsterdã (Bruna Linzmeyer) imerge em um mar de devassidão, filmado com doses fartas de erotismo e violência.

“Este é um filme sobre a cafetinização da pobreza, visto sob a ótica da violência social cometida por aqueles que podem muito contra os que não podem nada”, explica o cineasta, que lançou seu último longa, Navalha da Carne, em 1998. “Eu levei quase sete anos para tirar esse projeto do papel, porque existe um misto de mediocridade, hipocrisia e incompetência imperando nos setores culturais deste país. As ações e decisões deles são baseadas sempre em fórmulas que deram certo no passado. O Brasil vive sob a ditadura do gosto alheio, seja nos editais de fomento, seja nos festivais. Tudo isso só amplifica o caos em que vivemos”.

Nas telas, o roteiro filmado por Neville se afasta em vários pontos dos diálogos originais de Bortolotto buscando a voz debochada e irônica característica do cineasta, responsável por cults como Os Sete Gatinhos (1980) e Rio Babilônia (1982). No alto do Vidigal, a laje de Gru (Flávio Bauraqui) acolhe uma micareta regada a funk, drogas e sexo que pode custar caro para seus participantes – isso se a impunidade deixar.

“Os personagens masculinos sobretudo trabalham com a falsa ideia de que é possível comprar tudo, até o caráter alheio”, diz Neville, famoso no meio das artes plásticas por suas videoinstalações, fotos e até esculturas. “Essa empáfia é o mote de que eu preciso para mostrar a falta de ética. Você sabe por que, a cada ano que passa, os videogames têm alcançado um faturamento tão alto quanto o de Hollywood? Por que nos videogames não existe ética: quanto mais gente eu mato num joguinho, melhor eu sou. É isso que as favelas viraram: um videogame para playboys. E o lado humano? E os sentimentos? E a dignidade? Hoje impera o abuso, por a cultura virou um antro de fariseus”.

Animado com o regresso ao circuito, embora divida opiniões, Neville já prepara um derivado de seu maior sucesso: vai rodar A Dama da Internet, retratando a realidade de uma jovem em busca da afirmação de seus desejos em plena era virtual.

“Estou com a consultoria de um psicanalista para o roteiro e já saí à cata de uma grande atriz que possa assumir esse papel sem censurar a personagem”, diz o diretor. “Minha ideia é criar a mais forte heroína do nosso cinema”.

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