Filmes

Entrevista

Millennium | Autor de A Garota na Teia de Aranha diz que se inspirou no Batman de Christopher Nolan

David Lagercrantz fala da pressão em escrever o quarto livro e uma possível vinda de Lisbeth ao Brasil

31.08.2015, às 20H13.

A trilogia Millennium cresceu e agora se tornou uma série. Na verdade, este já era o plano de seu criador, Stieg Larsson, que pretendia escrever dez livros sobre Lisbeth Salander e Mikael Blomkvist. Os três maços de cigarro que fumava por dia, um elevador quebrado e sete lances de escada o levaram a um ataque cardíaco fulminante antes que pudesse sequer ver nas lojas os três livros que já tinha terminado de escrever. Muitas polêmicas depois, o também sueco David Lagercrantz foi chamado para escrever o quarto livro da série, A Garota na Teia de Aranha (Cia das Letras), que já está nas livrarias. 

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A trama foi mantida em segredo até o lançamento. Durante a coletiva de imprensa para um pequeno grupo presente, Lagercrantz disse que teve duas inspirações. A primeira veio às 4h da manhã de uma noite de insônia enquanto ele estava buscando a história certa para contar. Ele se lembrou de uma matéria sobre um menino com autismo que conseguiu desenhar de cabeça e cheio de detalhes e uma perspectiva perfeita um lugar por onde eles só haviam passado uma vez. "Isso tem tudo a ver com Lisbeth Salander", lembrou. E o outro motivo que ele viu como primordial para esta história é a questão da segurança em dias de crise com a NSA e Edward Snowden. "Era o que eu precisava", disse o autor.   

O processo de criação envolveu encontros secretos com a editora Eva Gedin (a mesma que aceitou publicar Larsson), trabalho de redação em computadores offline e couriers entregando as cópias físicas dos manuscritos - tudo para não correr risco de vazamento. O próprio Lagercrantz foi para um retiro na Finlândia depois que acabou seu trabalho, pois ele mesmo disse que gosta de falar e ia acabar soltando algum segredo da história. O descanso era necessário. A partir de agora ele terá longos meses na estrada para promover o lançamento do livro. A primeira parada foi na sede da Norstedts, editora sueca fundada em 1823, responsável pela publicação da série Millennium por lá. 

Apesar de estar visivelmente esgotado após um dia inteiro de entrevistas, Lagercrantz recebeu o Omelete para um bate-papo: 

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Estou muito cansado. Estou dando entrevistas o dia inteiro. 

E isso é só um aquecimento para a turnê de lançamento do livro. 

Exato! É só o aquecimento. É uma loucura isso. 

Mas você já imaginava que seria uma loucura deste nível, não? 

Não! Não dava para imaginar. Por que seria tão insano? Sou apenas mais um cara pegando a obra de um autor que faleceu. Acho que não tínhamos nada parecido com isso no mercado literário há um bom tempo. Eu espero que consiga sobreviver (risos) 

Eu estava lendo sobre o seu processo criativo e ele envolve parar o trabalho para levar seus filhos para a escola. 

Sim!! Minha esposa tem uma carreira como executiva na TV pública da Suécia, e este é o meu trabalho. Eu os levo para a escola e depois vou buscá-los. 

E como estas pausas ajudam? É bom para dar uma limpada na mente? 

Eu acho ótimo. Eu costumo dizer que escrevo melhor quando não estou escrevendo, sabe? Depois que os deixo na escola, quando estou voltando para casa, as ideias vão surgindo no caminho. Quando eu era pequeno, meu pai era um escritor e era uma coisa solene: “papai está escrevendo”. Meus filhos aparecem correndo no meu escritório o tempo todo pedindo para trocar a TV de canal ou reclamar que o iPad não está funcionando. E eu meio que gosto disso, pois te coloca os pés no chão. Eu adoro ser pai. Infelizmente, com a turnê, vou ficar cinco semanas longe deste trabalho em casa, mas eles vão me encontrar em Veneza e depois em Nova York.

Você ainda se lembra da primeira vez que se encontrou com Lisbeth Salander?  

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Eu li o primeiro livro na época em que ele foi lançado e fiquei fascinado desde o início. Eu também vi os filmes depois. E quando estava escrevendo o livro, percebi que minha carreira até aqui foi com personagens como ela: gênios, meio anti-sociais, pessoas que a sociedade fez de tudo para esmagar, mas eles sempre davam um jeito de sair por cima. Zlatan Ibrahimovich e toda a sua infância no gueto, o matemático Alan Turing, [Hakan Lans] um inventor sueco que foi perseguido pelos americanos. São todos gênios, pessoas ímpares que não se encaixam na sociedade, como Lisbeth. 

E você acha que por ser um jornalista, isso facilitou na hora de escrever sobre Mikael Blomkvist? 

Sim, com certeza! Eu sempre li e escrevi as notícias. Vivo isso. E me perguntei muito o que estaria acontecendo com a Millennium agora no meio desta crise da mídia. E pensar nisso me ajudou muito. Era fácil me identificar com ele. Mika é um cara que você quer ser. 

Você estava falando da crise da mídia, mas ao mesmo tempo você vê empresas ligadas ao jornalismo investindo muito. Caso do Huffington Post e até mesmo o Buzzfeed, que quer deixar de ser visto só como um site de listas. 
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Com certeza! Você está certíssimo! Mas é difícil fazer dinheiro com internet. E para jornais investigativos como a Millennium, é ainda mais difícil de sobreviver. Se eles existissem hoje, certamente estariam enfrentando uma crise e achei que seria uma boa ideia colocá-lo no começo como uma espécie de dinossauro dos velhos tempos. Quando o livro começa ele meio que está indo atrás de uma vingança. 

O último livro foi publicado em 2007, o que em termos de tecnologia de comunicação é uns dois séculos atrás. 

Sim, muita coisa mudou, sem dúvida. 

O que você trouxe destas novidades para o livro? Redes sociais? WhatsApp? 

Tudo! Eu situei a história no tempo atual. Olhando para trás, foi genial [Larsson] ter criado Lisbeth Salander como uma hacker. Naquela época, havia indivíduos como ela planejando ataques hacker. Agora são os Estados e seus departamentos de segurança que fazem isso. Isso nos coloca em um mundo que precisa de Lisbeth Salander mais do que tudo. 

Falando um pouco mais sobre a Lisbeth, o que você fazia para procurar sua voz? Você tinha pessoas com quem discutia se uma mulher como ela faria isto ou aquilo? 

Para começar, eu tive a mim mesmo e minha esposa. Nós discutimos bastante, porque eu queria entender os limites da Lisbeth. E, claro, também tinha minha editora [Eva]. E eu entendi logo cedo que eu precisava achar as cenas certas para ela, porque o melhor dela é quando está no meio de uma ação, quando está revidando mesmo em desvantagem. Eu trabalhei muito nestas cenas de ação e fui tentando imaginar como ela pensa, o que ela lembra. Eu tive muito medo de não fazer justiça à personagem.

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Ela é um retrato da jovem mulher sueca ou de uma geração? 

Acho que se você consegue fazer da forma certa, o local via global. Antes de mais nada, você tem que entender aquilo que está na sua frente e daí você vai percebendo que ao abrir a câmera, você está fotografando algo maior. Nós vivemos em uma sociedade em que os mundos estão cada vez mais próximos. 

Você citou Batman e Homem-Aranha como inspirações. Você é fã do gênero? 

Eu adoro os super-heróis. Curtia muito quando era criança e preciso admitir que gosto até hoje. E eu adoro poder pegar personagens icônicos e poder acrescentar uma nova profundidade. Percebi isso quando vi o Batman do Christopher Nolan. Foi quando entendi que estava herdando uma grande mitologia da Lisbeth Salander e Mikael Blomkvist. Vi que cabia a mim cavar para encarar as perguntas que não haviam sido respondidas ainda. Por exemplo: por que ela é uma hacker tão boa? E o bom do Stieg Larsson é que ele tinha um cenário muito realista, com problemas contemporâneos, como o tráfico de pessoas e violência contra as mulheres, mas com uma combinação com este mundo fictício em que um cara monstruoso não sente dor alguma. É uma mistura dos dois mundos. 

Por que você acha que os suecos produzem histórias policiais tão boas? Temos aí as séries The Bridge e Wallander. Temos os livros de Stieg Larsson e Camilla Läckberg.

Não sei ao certo, mas olhando para trás, quando tivemos Björn Borg, outros bons tenistas vieram depois dele. Heróis inspiram pessoas. Mas acho que o que é típico dos romances policiais suecos é a comiseração moral. Não é apenas entretenimento. Eles tentam mostrar algo da sociedade e acho que as pessoas gostam disso. 

O que você gostava do estilo do Larsson, que você tentou manter na sua história? 

Eu gostava do estilo russo, tão cheio de perspectivas, com que ele conduzia a narrativa, ora na cabeça de Lisbeth, ora no Mikael ou nos vilões. E também gostava muito que ele misturava uma técnica mais clássica com alguns momentos em que ele tentava nos educar. É ótimo aprender algo novo quando você está lendo um livro. Eu tentei entender o que ele fazia, mas não copiar o seu estilo. Escrevi usando os meus pontos fortes, que eu tinha usado um pouco no livro do Alan Turing, e também um pouco da minha experiência como jornalista.  

Você vai escrever mais um livro da série?

Talvez. Vamos ver. Estou em uma posição privilegiada agora, depois do sucesso do livro do Ibrahimoch e deste projeto. Recebo convites do mundo inteiro. Vamos ver o que vai acontecer. O que eu sei é que eu não serei Stieg Larsson para o resto da minha vida, digo, posso fazer mais um ou dois, mas não mais do que isso. Eu quero me renovar, fazer coisas novas, ir atrás de novos desafios. E acho que a decisão não vai demorar para chegar. 

Se você decidir aceitar o desafio de escrever mais um livro com Lisbeth e Mikael, você acha que eles poderiam ir para o Brasil? 

Sim. É uma ótima ideia. Eu adoraria ir para o Brasil. Minha esposa já foi para o Brasil e adorou. Vou pensar nesta ideia com carinho. 

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