Filmes

Entrevista

Vampiro 40º | "Me interessei em criar personagens que representassem a tradição vampiresca", diz Fausto Fawcett

Ator faz o papel de Vlak em longa de horror nacional

16.06.2016, às 15H52.
Atualizada em 25.11.2016, ÀS 02H10

Pai de Kátia Flávia, a mulher do hit musical dos anos 1980, o compositor, autor teatral, cantor, poeta e ator Fausto Fawcett, último bardo da boêmia carioca, chegou à tela grande na última semana, com presas sedentas de sangue, em Vampiro 40º. Exemplar da novíssima safra do horror nacional, a produção dirigida por Marcelo Santiago, derivada do seriado Vampiro Cariocado Canal Brasil, foi elogiada na Europa em sua passagem pelo Fantasporto, o Festival de Cinema Fantástico de Portugal. Na trama, Fawcett é Vlak, espécie de poderoso chefão vampírico do mundo das trevas, às voltas com a chegada de uma nova droga ao mercado e com uma disputa pelo poder na noite do Rio, às voltas com caçadores à la Van Helsing armados de estacas e serras motorizadas. É um filme cheio de ação, coágulos derramados e mulher pelada. Nesta entrevista ao Omelete, o multiartista, famoso por ter sempre uma loura fatal a seu lado, fala sobre a maldade nossa de cada dia.  

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Omelete: De onde vem uma figura como Vlak, meio Drácula, meio Temer, meio monstro, meio político?

Fausto FawcettNa mitologia cinematográfica, literária e mesmo a das artes plásticas, vários demônios encarnam em políticos, em assessores, em generais, em secretárias, em figuras envolvidas com a política, com a monstruosidade do maquiavelismo humano no sentido de se lidar com todo tipo de negociações. São possibilidades de testar sua paciência, seus valores, suas convicções. São possibilidades de realmente se confrontar com o outro e não essa babaquice de politicamente correto pseudo-progressista da tal diferença a partir de identidades fechadas de grupos antiindividuo e seus abismos sempre antissociais, sempre antiinclusivos. Por essas e outras, pela mitologia artística, pela tradição mafiosa carioca e brasileira, pela delícia do maquiavelismo político dos submundos que sustentam a superfície democrática do planeta, pela globalização e banalização comercial de todos os aspectos da vida, incluindo aí mitos de todos os naipes, é que Vlak tem que acontecer da maneira que acontece: um vampiro isolado obrigado a sair da toca.

Omelete: Como é que foi o processo de construção dessa fauna de personagens sedentos de sangue em meio ao contexto político das obras neste Rio de Janeiro decadente de Vampiro 40º?

FawcettO que me interessou foi criar personagens que fossem vórtices, que fossem representativos de uma tradição, a vampiresca: cheia de poderes sobre-humanos e de uma imortalidade obtida a partir do sangue jovem. Essa tradição de antiguidade aqui é  misturada com a tradição contemporânea da tecnologia, ditando o ritmo das vidas, do hipercomercio de tudo, da tara empreendedorista. E, no filme, todas as duas acontecem de forma clandestina, bandida, num Rio que se vê à beira da falência.

Omelete: O quanto a noite do Rio de Janeiro onde você construiu sua poética mudou? Sobrou algo da boemia dos anos 1980? 

FawcettMudou geral, pois, há 30 anos, a balburdia social era firme e forte, e Copacabana era o epicentro dessa situação, com camelódromos tomando as ruas, escancarando a clandestinidade comercial que estampavam as boas e velhas falhas na economia do pais. Junte-se a isso a impressionante sacanagem do bairro, uma overdose à la Moulin Rouge e Crazy Horse a céu aberto fosse de dia, fosse de tarde e, principalmente, fosse à noite, com a Avenida Atlântica assoberbada de oferta sexual. A principal característica do bairro era a sua heterodoxia, o seu cosmopolitismo, a sua pesada democracia, que bota num mesmo prédio velhinhas herdeiras de generais e travestis. Ali, apartamentos servem para clinicas de não se sabe o quê e labirintos imobiliários camuflam de um tudo. Aquele Rio dos anos oitenta e noventa, com aquela Copacabana, era perfeito para imaginários extravagantes, ainda mais com toda essa virada da tecnologia digital, da proliferação de maquininhas e a sensação de que a computação interativa nos faria dar um salto qualitativo de cognição, com a ciência entrando pelos corpos e pelos poros. Mas só ficou o Cyberfunk, Brega Runner.  Os camelódromos sumiram por um tempo e a sacanagem desapareceu das ruas devido à abdução das meninas pela internet.

Omelete: Você ainda enxerga esperança ao avaliar a realidade do Rio?

FawcettO Brasil será sempre um abismo, habitado por ilhas de excelência num mar de mediocridade, atraso e barbárie. Essa é a vocação dele e o Rio é o seu tambor principal, sendo São Paulo sua casa de máquinas. Esperança é um truque da evolução para fazermos planos e acreditar que acordaremos amanhã. Assim sendo, esperança se tem, queira-se ou não. Quanto à grande esperança piegas e burra em relação ao ser humano e a países como o Brasil ou cidades convulsivas como o Rio não tenho nenhuma, mesmo. E não tenho por uma razão: o Rio não precisa de esperança porque ele é bacana mesmo quando negativado, ele é a jóia da Força Periférica que repercute o Brasil no mundo. E será assim sempre.

Omelete: A canção "Kátia Flávia" foi uma espécie de poema épico da boemia carioca. O que a "Louraça Belzebu" ainda representa para este Rio onde os bares de Copcabana já não atravessam a madrugada? 

FawcettEssa loura é como o Batman: representa a eternidade da escuridão da alma. Kátia Flávia estará sempre presente e renovada, pois os submundos estão intactos, as boemias podem ser repaginadas, assim como os negócios escusos e criminosos. O dark side nunca dorme.

Omelete: Como anda a sua relação com a música, em paralelo à sua carreira no teatro e na TV (e agora também no cinema)? 

FawcettDei uma boa parada, mas vou voltar com um trabalho que tem os músicos  Laufer e Siri  como cúmplices. Deve ter uma garota comigo também, claro... Fiquem no aguardo.

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