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Campo de Jogo | Filho de Glauber Rocha transforma peladas em poesia em documentário sobre campeonato de futebol nas periferias

Filme foi elogiado pela crítica internacional

22.07.2015, às 16H44.
Atualizada em 16.01.2017, ÀS 00H00

Elogiado mundialmente, em sua excursão por festivais em 10 países de diferentes continentes, Campo de Jogo, o novo filme do premiado Eryk Rocha - um dos nomes mais aclamados da geração de diretores brasileiros revelados no início dos anos 2000 - inicia nesta quinta-feira sua trajetória de dribles pelo circuito exibidor nacional. Em 71 (eletrizantes) minutos, o realizador de Transeunte (2010), que é filho do mítico Glauber Rocha, documenta um campeonato de times não profissionais egressos de periferias (favelas sobretudo), em Sampaio, bairro da Zona Norte do Rio de Janeiro. Vemos peladas retratadas como poesia. Com base nos lances dos jovens aspirantes a craques, Eryk arrebata a tela com uma experiência visual na qual repensa o papel do futebol como uma ferramenta de socialização. Nos Estados Unidos, o crítico Jay Weissberg, da Variety, classificou o documentário como algo “impressionantemente filmado e maravilhosamente editado”. Previsto para estrear na França e nos EUA até dezembro, o longa vem consolidando a carreira internacional do cineasta, que, nesta entrevista, explica seu recorte estético e fala de seus próximos projetos.

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Seu filme aborda as peladas com um ritmo tenso, que mais parece um thriller. Como a montagem foi estruturada dentro das convenções habituais do documentário?
ERYK ROCHA: Houve uma construção dramatúrgica em relação ao real, no retrato dos corpos em movimentos nas partidas, que buscasse transportar o espectador para dentro dos acontecimentos que ele acompanha. Eu queria que o espectador se sentisse nas arquibancadas de Sampaio. Para isso, encarei aquele campo como um terreiro, como um espaço de batalha, como um local de êxtase, no qual a emoção fervilhasse. Em geral, as pessoas filmam seis dias na semana e folgam no domingo. A gente, não. Nossos jogos eram aos domingos, apenas. A gente filmava uma vez por semana e, nos outros dias, ficávamos decantando o material, sob o olhar do fotógrafo, o Léo Bittencourt, e da minha assistente de direção, a Ludmila Curi. Contou muito o trabalho de montagem do Renato Vallone e a edição de som do Waldir Xavier pro formato que o filme tem. 

E como é a sua relação pessoal com o futebol?
ERYK ROCHA: Foi a primeira grande paixão, antes mesmo do cinema e das mulheres. Eu jogo bola e vou a estádios desde os 5 anos. Torço pelo Flamengo. Mas fiquei feliz, conferindo as sessões em festivais no Brasil e no exterior, de ver o quanto Campo de Jogo é capaz de tocar pessoas que odeiam futebol, por seu viés social e por sua pesquisa visual. E ele tem chegado a espaços sociais mais pobres nos quais as pessoas não estão mais acostumadas a ver cinema. Isso me alegra pois confirma a vocação do esporte de ser também uma linguagem poderosa de integração.

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Seu cinema é marcadamente político, na denúncia das contradições sociais. Qual é a dimensão política de Campo de Jogo?
ERYK ROCHA: Uma vez que ele fala de uma prática mais popular de futebol, ele expõe o quanto o esporte pode transcender a competição e se caracterizar como uma forma de viver, como uma linguagem de expressão de identidade. A gente pode contar a história do Brasil do século XX até hoje a partir das nossas participações nas Copas do Mundo, mostrando o quanto a gente se afastou de onde viemos. Nossos maiores craques vieram dessas partidas de rua, das peladas, desses campos de jogo. Quem libertou o futebol do engessamento da técnica, para achar um futebol poético, o “futebol arte”, foi o povo brasileiro, sobretudo a partir dos negros. Os negros levaram a ginga da capoeira e do samba pros gramados. Hoje, nosso futebol, a julgar pelo desempenho na última Copa, afastou-se de sua origem e importou o que de pior havia do futebol estrangeiro. Olhar para esse futebol de rua é rever nossas origens.

E por que a escolha de Sampaio?
ERYK ROCHA: Porque é uma região próxima do Maracanã. Mais do que isso: é uma região de favelas, onde se encontram igrejas de todos os tipos por todo o lado mas não se encontram cinemas, teatros, bibliotecas... O futebol é o lazer deles. Mais que isso: ali, o futebol é uma forma de resistência.

Em paralelo a Campo de Jogo, seu nome vem circulando festivais com a coprodução internacional El Aula Vacía, um longa-metragem em dez episódios, financiado pelo Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID) e idealizado pelo ator mexicano Gael García Bernal. Como foi esse exercício?
ERYK ROCHA: Tenho orgulho do fato de todos os curtas terem ficado muito bons e de estar ao lado de grandes diretores da América Latina, como Lucrecia Martel Pablo Stoll. De brasileiros, estamos eu e a Flavia Castro (realizadora de “Diário de uma busca”) e falamos da questão da educação a partir do problema da evasão escolar. O meu episódio se chama Igor e fala de um jovem do Morro dos Prazeres, no Rio.

De novo, este filme, Igor, aproxima seu cinema das experimentações da linguagem documental. Mas e como fica seu trâmite pela ficção, aberto há cinco anos com Transeunte?
ERYK ROCHA: Estou me preparando para voltar à ficção filmando, em abril de 2016, um novo longa: Breves Miragens de Sol. É uma trama sobre a realidade noturna do Rio a partir das experiências de um taxista. Estou escolhendo o elenco agora e vou ter Walter Salles (o diretor de Central do Brasil)como produtor.

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