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Cordilheiras no Mar: A Fúria do Fogo Bárbaro | Documentário explora polêmicas de Glauber Rocha

Jornalista Geneton Moraes Neto assina a direção do filme exibido no Cine Ceará

22.06.2015, às 15H39.
Atualizada em 11.11.2016, ÀS 20H05

Sob a bandeira da afirmação de diferentes gêneros (que não só comédias) na produção audiovisual do país, o Cine Ceará, no calor de sua 25ª edição, acolheu, no domingo, uma experiência narrativa capaz de fundir dispositivos documentais com estratégias de tensão dignas de suspense hollywoodiano. Com (alta) voltagem de thriller político, Cordilheiras no Mar: A Fúria do Fogo Bárbaro revive os instantes finais da ditadura no país com base nas ações de um agitador cultural (e existencial) em pele de cineasta: o baiano Glauber de Andrade Rocha (1939-1981), diretor premiado mundialmente por filmes como O Dragão da Maldade contra o Santo Guerreiro (1969). Em concurso na mostra cearense, iniciada no dia 18 com encerramento para marcado para esta quarta, o longa-metragem de 98 minutos (fluídos na tela com velocidade de trem-bala) foi dirigido pelo cineasta, jornalista e escritor pernambucano Geneton Moraes Neto, como um corpo anfíbio: é metade reportagem, metade filme-ensaio.

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"Fazer jornalismo é produzir memória. E levo para o cinema todos os meus vícios de jornalista, a começar pela preocupação obsessiva com a produção de uma memória que não seja feita de achismos, e sim de testemunhos. Ninguém fala 'Eu acho' neste filme, apenas 'Eu vi'" – diz Geneton, que ancora o filme na polêmica provocada, em pleno regime ditatorial brasileiro, pela aproximação de Glauber com militares de linha mais moderada.

Revelado para o mundo com a participação de Deus e o Diabo na Terra do Sol no Festival de Cannes de 1964, Glauber tornou-se uma espécie de messias do cinema nacional planeta afora. Em filmes como Terra em Transe (1967), o diretor pregou um evangelho revolucionário para a imagem, na qual países subdesenvolvidos ou em desenvolvimento (a passos de cágado) como o Brasil se comportassem, nas telas como “colonizadores” e não como “colonizados” pela oferta de Hollywood. Geneton resgata depoimentos comoventes de autoridades da crítica e da análise cinematográfica (entre eles está um papa do documentário: Jean Rouch) esquadrinhando a vitalidade do pensamento glauberiano para a redescoberta da América Latina pelas veias abertas do cinema. “Nossa cultura é a macumba, não a ópera”, diz Glauber no longa de Geneton, que coloca o ator cearense Cláudio Jaborandy para declamar pensamentos do cineasta mais famoso da Bahia.

"A partir do Glauber, eu tento realçar a necessidade de se olhar o Brasil com olhos livres para que não nos aprisionemos em esquemas mentais mesquinhos. A grande atualidade do Glauber é mostrar que este é um país complexo demais para se bastar num nhém-nhém-nhém como essa guerrinha entre PT e PSDB que vemos hoje" – diz Geneton, que areja seu
documentário com textos declamados pelos atores Paulo César Peréio e Ana Maria Magalhães e pelo diretor teatral Aderbal Freire-Filho, além de incluir coreografias de dança. "Eu quis correr riscos. Um filme sobre Glauber requer um senso de aventura".

Numa colagem de imagens de arquivo, alternadas com depoimentos filmados num (rigoroso) preto e branco, Cordilheiras no Mar não se atém a ser uma biografia sobre o realizador. Geneton consegue fazer dele uma espécie de tratado sobre conciliações possíveis, ao narrar a aproximação do diretor de A Idade da Terra (1980) com autoridades de farda, a partir da chegada do general Ernesto Geisel (1907-1996) à presidência, em 1974. A dica para isso veio do ex-presidente deposto João Goulart (1919-1976), Jango, que enxergava numa possível conjugação de interesses com Geisel um caminho para os movimentos de esquerda abrirem caminho para a Anisitia e a Abertura Política pela democracia. Mas essa atitude do cineasta valeu a ele a antipatia de seus colegas e de seus amigos, sobretudo depois de ele chamar o general Golbery do Couto e Silva (1911-1989), um dos principais estrategistas militares de geopolítica, de “Gênio da raça”. O resultado: uma patrulha ideológica na cola do diretor, que morreu no início da década de 1980, em decorrência do que se entende como sendo um “assassinato cultural”.

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Geneton Moraes Neto

"Jango percebeu, com a chegada de Geisel ao Poder, que uma nova linha poderia se instalar na ditadura com a aparição de militares mais moderados, liberais. Glauber concordou ao perceber que uma aproximação com eles poderia ser uma saída para a esquerda, melhor do que a luta armada, do que a violência. Ele não queria mais derramamento de sangue. Como todo bom visionário, ele enxergou antes dos outros e pagou um preço por ter proposto um debate público numa época de radicalismos", diz Geneton, que impressionou o Cine Ceará com a agilidade da montagem, sobretudo em depoimentos bem humorados como os do cartunista Jaguar e do cantor Raimundo Fagner. "Cordilheiras no Mar não é um gesto de saudade. Falar em autopsia seria uma palavra forte. A ideia é mais olhar para aqueles tempos de novo, mas com outros olhos".

Além de Cordilheiras no Mar, outros filmes de destaque no Cine Ceará 2015, em sua leva brasileira, foram Real Beleza, de Jorge Furtado (com a atuação irretocável do eterno galã Francisco Cuoco na pele de um professor aposentado) e o épico argentino Jauja, de Lisandro Alonso, com Viggo Mortensen na Patagônia. Destacou-se também o curta mineiro Quintal, de André Novais Oliveira, vindo diretamente da Quinzena dos Realizadores do Festival de Cannes. Oliveira transforma seus pais em atores para narrar uma trama de toques sobrenaturais sobre a aparição de um portal místico em uma casa em belo Horizonte.

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