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Festival de Gramado | Ney Latorraca brilha como caipira em Introdução à Música do Sangue

Luiz Carlos Lacerda comenta a sua adaptação da obra de Lúcio Cardoso

09.08.2015, às 14H14.
Atualizada em 14.11.2016, ÀS 10H02

Ninguém sabe dizer onde foi parar o frio tradicional de inverno aqui na Serra Gaúcha, pois o Festival de Gramado, em sua 43ª edição, anda suando em bicas, com temperaturas na casa dos 30 graus (e subindo).

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O suor escorreu com especial fervor na noite de sábado quando o novo trabalho do cineasta carioca Luiz Carlos Lacerda abriu a competição nacional de longas-metragens levando a sensualidade à moda mineira do escritor Lúcio Cardoso (1913-1968) para o Palácio dos Festivais, traduzida na sensualidade latente do seu filme Introdução à Música do Sangue. Embora sua estrutura narrativa intimista, centrada num Brasil rural que andava desaparecido das telas nacionais, tenha dividido sensos e sentimentos no público e na crítica, a produção de R$ 770 mil foi saudada como uma surpresa poética, por destoar dos exercícios mais bem-humorados de Lacerda como realizador. A única unanimidade foi a acolhida ao desempenho de Ney Latorraca como um agricultor levado às raias da insanidade pelo desejo.

"Surfei um tempo pela comédia, pela biografia. Mas aqui, em Introdução à Música do Sangue, há uma retomada radical de um tipo de cinema que ensaiei no meu primeiro longa-metragem como diretor, Mãos Vazias, em 1970. É um cinema do silêncio, da introspecção. Um cinema que nasceu dialogando com a literatura de Lúcio Cardoso", diz Lacerda, que comemora em 2015 seu jubileu na tela grande, 50 anos de carreira.

Representante brasileiro de uma tese defendida por estrangeiros como o italiano Ettore Scola e o espanhol Pedro Almodóvar, segundo a qual "desejo, logo existo", Lacerda leva suas reflexões sobre as necessidades da carne para uma Minas Gerais sem luz elétrica, que parece atemporal. No filme, o casal Ernestina (Bete Mendes) e Uriel (Latorraca, em estado de graça) vive imerso em trevas em uma estância onde ele planta e ela costura. Lá, eles cuidam de uma adolescente com os hormônios em erupção (Greta Antoine).

"A Minas de Introdução à Música do Sangue está na divisa do arcaico e do contemporâneo, do desejo e do pecado, do amor e do crime, a paisagem humana em sua complexidade de sentimentos cortada pelos rios misteriosos da paixão", diz Lacerda.

Decalcada de um argumento deixado por Lúcio Cardoso, essa trama é filmada apenas com iluminação natural por Alisson Prodlik, um dos mais talentosos representantes da nova geração de fotógrafos do cinema brasileiro. "Esse argumento foi escrito pelo Lúcio entre os anos 1950 e 60, antes de ele lançar sua obra-prima, que é A Crônica da Casa Assassinada. Representa um regresso dele às origens de sua literatura, quando falava de uma Minas rural. Num determinado momento, ele passa a escrever histórias ambientadas no Rio de Janeiro ou mesmo numa Minas aristocrática. Aqui, não", explica Lacerda, que ainda vai filmar neste ano Lúcio e Murilo, Murilo e Lúcio – O Que Seria Deste Mundo Sem Paixão, sobre a relação de amizade entre Cardoso e o poeta Murilo Mendes. "O que sinto mais saudade de Lúcio é o prazer que a leitura dele me causava. O prazer de sua construção de linguagem, pela potência da palavra. Nele, assim como em Clarice Lispector, vemos a descrição do sentimento em seu nascedouro."

Neste domingo, a briga pelo Kikito, o troféu gramadense ispirado no Deus-Sol dos gaúchos, segue com o thriller político O Fim e Os Meios, de Murilo Salles, que ganhou o prêmio de melhor roteiro no Festival do Rio, em outubro passado, pela força de sua radiografia da corrupção. O filme chega já com cacife para abocanhar o prêmio de melhor atriz pela força cênica de Cíntia Rosa, no papel de uma jornalista às voltas com a podridão do governo. O calor aqui em Gramado promete aumentar.

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