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Jauja | Diretor de filme argentino com Viggo Mortensen fala sobre o astro e exlpica como encontrar beleza na crueldade

Longa participa do Cine Ceará

20.06.2015, às 17H36.
Atualizada em 06.11.2016, ÀS 19H01

Vitaminado pela presença de Viggo Mortensen, na pele de um expedicionário dinamarquês  perdido na imensidão patagônica do século 19, o épico existencial argentino Jauja tomou de assalto uma das principais vitrines competitivas do cinema latino-americano no Brasil, o Cine Ceará, cuja edição de 25 anos começou na quinta e segue até o dia 24. Feito com aporte brasileiro do Canal Brasil e da produtora mineira Vânia Catani, o longa-metragem protagonizado pelo eterno rei Aragorn foi exibido em Fortaleza na noite de sexta, para uma multidão que reverenciou um talento da direção ainda desconhecido pelo circuito exibidor nacional: o realizador Lisandro Alonso, de 40 anos. Conhecido no circuito dos festivais internacionais por filmes como Liverpool (2008) e La libertad (2001), Alonso ganhou o prêmio da Federação  Internacional de  Imprensa Cinematográfica (Fripresci) em Cannes, em 2014, por Jauja, que estreia no Brasil na próxima quinta, com fortes chances de sair vencedor (em várias categorias) da competição cearense.

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Na tela, Mortense é Gunnar Dinesen, um militar que sai da Dinamarca com a filha, Ingeborg (Viilbjørk Malling Agger), para tentar a sorte no Novo Mundo, em uma imensidão desértica. Mas, ao chegar, ele terá de se confrontar com um processo de adaptação a uma cultura distinta da “europeidade” e com o processo de amadurecimento de Ingeborg. É quando o trágico se instala em seu caminho, afogando Gunnar no oceano da solidão, um tema recorrente da obra de Alonso, que conversou com o Omelete sobre sua estética, sobre Viggo, sobre angústias latinas.   

Qual foi a importância de Viggo Mortensen para a existência de Jauja e o que você aprendeu de mais valioso com um ator do porte dele no set?
LISANDRO ALONSO: Eu já tinha muito respeito por Viggo antes, mas essa consideração aumentou ainda mais conforme fomos buscando uma relação de confiança no set, a partir da qual pudéssemos filmar com o máximo de integração. Eu queria dele o máximo de participação e ele acabou colaborando também com a criação da música do filme. Viggo me fez ver que posso filmar de diferentes pontos de vista sem perder a minha identidade. Explico: no set, às vezes, ele vinha com propostas que me pareciam desnecessárias à primeira vista. Sugeria: “Vamos refazer esse take assim, no contraplano ou de outro ângulo”. Eu achava que não era necessário, tentava resistir, mas fazia. Na hora em que fui fazer a montagem, acabei usando tudo o que ele passou, pois vi que eram dicas precisas.

O que faz de Gunnar um herói trágico?
ALONSO: Viggo encontrou uma dimensão de tragédia ao me ajudar a fazer, a partir da figura de Gunnar, uma reflexão sobre o sentido da perda. O filme pergunta o que nos move depois de uma perda. Ele se dá conta de que nós, homens, estamos no mundo para desaparecer. O que fazer com essa certeza?

A figura do militar Gunnar, composta por Viggo, na luta para preservar a criação e a presença da filha adolescente em um mundo inóspito, dá ao roteiro de Jauja uma dimensão tensa, que eleva a pressão da narrativa, criando suspense, incerteza. Mas essa abordagem também aporta uma reflexão sobre pertença, uma discussão sobre a incapacidade de alguém se sentir parte de um ambiente. De que maneira esse tema da pertença marca a sua obra?
ALONSO: Tenho um interesse em entender qual é o lugar de cada um. Ou seja: o lugar de onde onde viemos é o lugar onde devemos estar? Será que o lugar de Gunnar é a Dinamarca ou é essa Argentina que ele encontra. Minha reflexão é: quando ultrapassamos essa fronteira entre o lugar de que somos e o lugar onde estamos, podemos chegar a situações de perigo. Jauja nasceu de um fato real sobre isso. Uma crítica de cinema eslovena se apaixonou por um filipino e foi viver com ele. Um dia os dois foram mortos a tiros e o pai dela teve de ir buscar os corpos. É dessa dor que o filme nasce. A dor de entender como uma vida funciona a partir da curiosidade diante de um espaço novo, de um outro lugar, um lugar da perda.

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Hoje você é considerado um dos maiores diretores da América Latina por seus enquadramentos rigorosos, de poucos closes e planos abertos, gerais, de um colorido que mais parece pintura. De que maneira a sua gramática narrativa é estruturada?
ALONSO: A base dela é um esforço de aproximação com um olhar do espectador. Eu tento fazer planos que se assemelhem ao escopo da visão humana. Nunca vou além de uma perspectiva de visão que vá além de um metro e meio de abrangência. Eu tento ver o mesmo tanto que um espectador vê, para não impor a minha visão a ele, não dirigir seu olhar. Para isso, uso poucas lentes e evito closes.  

O quanto esse rigor estético te aproxima dos demais diretores da Argentina, país que fabrica sucessos como os filmes de Juan José Campanella (O Segredo de seus Olhos) e recente Relatos Selvagens?
ALONSO: Faço parte uma geração a qual pertencem Lucrecia Martel (O Pântano), Pablo Trapero (Elegante Branco), Rodrigo Moreno (El Custódio), na qual cada diretor imprime seu próprio olhar, de modo particular. Eu faço os filmes que consigo, do jeito que posso, primando por delinear a minha voz. Não teria a sensibilidade para fazer os filmes do Campanella assim como ele não teria a mesma sensibilidade que eu tenho.

E o que move a sua sensibilidade para fazer um filme como Jauja?
ALONSO:  A tentativa de encontrar a Beleza mesmo no que existe de mais cruel e duro. A Natureza é violenta faz com o que os homens busquem estratégias para sobreviver. E, com a construção do conceito de sociedade, o homem passou a competir com o espaço ao seu redor. Você olha paisagens como as de Fortaleza e vê prédios gigantes contrastando com o esplendor natural das praias. Isso é um embate. Um diálogo tenso. E, a reboque dele, vejo que as pessoas têm uma dificuldades para dialogar entre si. Tenho curiosidade pela dificuldade que as pessoas têm de se comunicar. Mesmo com toda a tecnologia que temos, as pessoas ainda têm problemas para se comunicar. Tem gente morrendo de fome no mundo, apesar de todo o desenvolvimento tecnológico. Isso é o Mal. E, fora o Mal, existe a solidão.

Na próxima quinta-feira, quando Jauja entrar em circuito brasileiro, você terá, pela primeira vez, um filme lançado comercialmente no Brasil. Com é a sua conexão com os filmes que fazemos?
ALONSO: Eu não sou muito cinéfilo. Tenho alguns amigos no cinema brasileiro, como Helvécio Marins (Girimunho) e  Karim Aïnouz (O céu de Suely), e conheço diretores de exposição mundial, como Walter Salles. Mas não posso dizer que conheço o que vocês fazem como gostaria.

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O seu próximo projeto, pós Jauja, vai ser feito no Brasil?
ALONSO: Estou idealizando um projeto para ser filmado entre o Brasil e os EUA. Em solo americano, vou me concentrar numa locações marginais, fugir das paisagens comuns. No Brasil, eu ainda estou procurando o local onde filmar, mas penso em uma locação amazônica. O roteiro não existe ainda. É na procura pela locação que surgem as histórias que eu conto.

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