Cenário de dois longas em competição no 43º Festival de Gramado, Brasília reapareceu no evento, agora como tema, num terceiro título. Vista em O Fim e os Meios, de Murilo Salles, e no tocante O Último Cine Drive-In, de Iberê Carvalho, a cidade regressou nesta terça-feira como objeto de estudo (e de contemplação) num melodrama de timbres épicos que gerou um racha nos gostos da crítica e do público, aquecendo o clima suado de uma Serra Gaúcha com buracos na camada de ozônio: O Outro Lado do Paraíso.
Com direção de André Ristum e DNA pinçado de um livro infanto-juvenil homônimo de Luiz Fernando Emediato, o longa-metragem cindiu opiniões por sua estrutura narrativa carregada de música, por uma narração em off de cabo a rabo e por sua aposta na doçura ao reviver os bastidores da construção da sede da República, nos anos 1960. O filme viaja no tempo com uso de imagens documentais pinçadas de cineastas de peso, a começar por Joaquim Pedro de Andrade (1932-1988) e seu Brasília: Contradições de Uma Cidade Nova, de 1967.
“Nosso esforço foi trazer o contexto de época a partir de imagens reais, incluindo cenas do Plano-Piloto de Brasília em construção. A partir daí, as imagens ficcionais poderiam se concentrar em outras questões e sentimentos”, disse ao Omelete o cineasta André Ristum, conhecido pelo premiado Meu País, de 2011.
Reconhecido como uma espécie de cronista da paternidade nas telas nacionais, Ristum pilota uma produção de R$ 8,5 milhões sobre os homens que edificaram Brasília, com base no processo de amadurecimento de um menino de 12 anos. O guri, Fernando, vivido por Davi Galdeano, é uma encarnação romanceada do escritor e editor Luiz Fernando Emediato. E ele luta para ter acesso aos livros e à leitura numa cidade do Distrito Federal que começa a nascer sob o respingo do suor dos operários, a começar por Trindade, interpretado com competência por Eduardo Moscóvis. Mesmo nos momentos em que o filme se perde em digressões românticas construídas sem muito vigor dramático entre o jovem Fernando e uma menininha, Ristum mantém na firmeza as rédeas do drama, sempre de olho na relação pai e filho.
Esta questão é presente na obra do diretor em parte por influência da ausência presente de seu pai, o cineasta Jirges Ristum, morto em 1984. Jirges foi amigo e colaborador de grandes cineastas europeus, assim como André, que cresceu na Itália, onde trabalhou com o mestre Bernardo Bertolucci, em Beleza Roubada (1996), com Liv Tyler. “A presença do meu pai é uma constante nas minhas sessões de análise. Um dia, quando trabalhei com o Bertolucci na Itália, ele me perguntou se eu fazia psicanálise. Eu respondi: ‘Há sete anos’. E ele: ‘E eu faço há 23 anos'. Aí, eu, surpreso, disse: 'Mas não chega uma hora em que a análise acaba?’. Ele retrucou: ‘No meu caso, é eterno’. Tenho medo de ficar assim, pois, agora, já passei dos 23 anos no divã”, brincou Ristum, que até o fim do ano vai rodar A Voz do Silêncio. “Mas este vai falar de mães”.
Faltam dois dias para o 43º Festival de Gramado chegar ao fim e nada se sabe sobre favoritismos, fora uma torcida organizada em torno de O Último Cine Drive-In, que chega às telas, em cartaz, na próxima quinta-feira. O longa ganhou o afeto da Serra Gaúcha em suas mais variadas latitudes e seria uma injustiça deixar seu ator, Othon Bastos, sair daqui sem prêmios, apesar da concorrência forte de Ney Latorraca em Introdução à Música do Sangue e de Pedro Brício em O Fim e Os Meios, que tem em sua protagonista, Cíntia Rosa, a concorrente mais forte ao Kikito de melhor atriz. Vamos torcer e ver o que dá.