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Para Minha Amada Morta | "Eu saí da cadeia, mas a cadeia não saiu de mim", diz diretor

Aly Curitiba foi agente penitenciário e hoje é um dos diretores mais reconhecidos do país

30.01.2016, às 15H13.
Atualizada em 07.01.2017, ÀS 21H00

Depois de nove dias no calor de experimentações narrativas, inovações de linguagem e aperitivos de terror, a Mostra de Tiradentes - evento inaugural do circuito de festivais do cinema brasileiro, realizada anualmente em janeiro, em Minas Gerais – encerra hoje sua 19ª edição nos braços do suspense, com uma produção paranaense premiada internacionalmente e já comparada à estética sombria de mestres como David Lynch: Para Minha Amada Morta. Centrado nos perigos em que um homem (Fernando Alves Pinto) se embrenha ao descobrir uma fita VHS com segredos de sua finada mulher, o longa-metragem de Aly Muritiba ganhou 15 prêmios pelo mundo, a começar pelo troféu Silver Zenith no Festival de Montreal, no Canadá, papando entre estas láureas sete Candangos no Festival de Brasília, incluindo o de melhor diretor. Na entrevista a seguir, Muritiba - que foi agente penitenciário no Paraná antes de ter se firmado como um dos cineastas mais aclamados do país na atualidade – explica como construiu o ritmo de vertigem deste thriller sobre os riscos inerentes ao verbo amar.     

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De que maneira Para Minha Amada Morta dialoga com a tradição do suspense e do thriller? Como foi a construção do clima de mistério do filme?

Pensando sob o ponto de vista do roteiro, Para Minha Amada Morta parte de uma premissa bastante simples: o que uma pessoa faz ao descobrir algo que, de certo modo, contradiz tudo o que ele pensava sobre o maior amor de sua vida? A resposta a esta pergunta, óbvio, depende da natureza da descoberta. O que proponho então é fazer com que o espectador sinta primeiro o amor devotado por uma pessoa à outra. Então construo este outro a quem o amor é devotado baseando-me em reminiscências (a ausência da pessoa amada, que no meu filme está morta, é presentificada por objetos, roupas, fotos, e vídeos) para assim fazer com que o espectador, sem que ele se dê conta, experimente a idealização da pessoa amada. E, por último, proponho que o espectador descubra junto o personagem o algo que desconstrua a idealização e, portanto, o amor. Trocando em miúdos, eu faço com que o espectador esteja todo o tempo com o protagonista do filme.

Faço com que o espectador saiba tanto quanto o protagonista, sem, no entanto, saber qual será o próximo passo do protagonista. E esta manobra é muito característica do suspense: nunca saber qual o próximo passo, nunca conseguirmos nos antecipar aos eventos. Por outro lado, o meu protagonista, de posse da informação que deteriora a imagem que ele fazia de sua amada, parte numa espécie de investigação e reconstrução de fatos do passado, ações pertinentes ao thriller. No que diz respeito à direção, aí a questão foi mais no sentido de encontrar a melhor maneira de colocar no espaço este sujeito tão deslocado e perdido que é o meu protagonista, e, ao mesmo tempo, trabalhar com a duração (ritmo da montagem) de modo a maximizar a sensação de suspensão.

O quanto a sua relação pessoal de proximidade com a violência, em seu trabalho como agente penitenciário, expurgada de alguma forma em seus documentários e ficções de curta metragem anteriores, como A FábricaPátio A Gente ainda se faz presente em um projeto como Para Minha Amada Morta?

Costumo dizer que eu saí da cadeia, mas ela não saiu de mim. E isto é um fato. Os sete anos de minha vida despendidos dentro de uma penitenciária me marcaram profundamente e isto acaba reverberando em meus filmes. No Para Minha Amada Morta, temos a pulsão de violência todo o tempo, assim como o temos em outros trabalhos meus, até porque, acredito que violência - ou a possibilidade/desejo dela - sejam potentes de narrativas. Quantas histórias não partiram de uma violência ou desejo dela? A história bíblica de Caim e Abel, A IlíadaHamlet e tantas outras. Mas há também a questão do cárcere, tão cara aos meus filmes. No caso do Amada Morta, a prisão está dentro do homem, dentro de suas crenças e obsessões.

De que maneira você encara o atual cenário de produção de cinema do Paraná? Há uma produção autoral? Como o estado se comporta nas telas?

O Paraná é um estado de produção muito escassa, até porque não temos uma política publica de fomento ao cinema. Produzir cinema aqui é quase impossível. Apesar disso, há uma nova geração de realizadores autorais sendo forjada no estado, e o mais curioso é que ela é formada por forasteiros. Assim como eu sou baiano de nascimento, muitos dos poucos que produzem cinema autoral aqui vieram de outros estados: Larissa Figueredo é de Brasília, Nathália Tereza é de Mato Grosso, Rodrigo Grota de São Paulo. Esta geração mais recente tem se destacado por fazer suas pesquisas de linguagem sem, no entanto, abandonar a narrativa, e tem, aos poucos, conquistado seu espaço no circuito.

Como você fez a passagem da carreira como agente penitenciário para o cinema?

Esta é uma história bem longa. Em resumo comecei muito por acaso, em 2007, aos 27 anos. Sou do interior da Bahia, de uma cidade com menos de 20 mil habitantes chamada Mairí, onde nunca houve e creio que nunca haverá cinema. Sou filho de dona de casa com caminhoneiro. Então, há que se supor que cinema, teatro ou qualquer expressão artística que não fosse a popular sequer passasse perto de casa. Fui ao cinema pela primeira vez aos 18 anos, quando migrei para São Paulo. Então, cinema nunca foi algo tangível para mim, nem mesmo desejável. Só foi quando me mudei para Curitiba e me tornei Agente Penitenciário (depois de ter sido professor, bilheteiro de trem da CPTM e Bombeiro) e que decidi ocupar o tempo livre fazendo uma nova faculdade (já era formado em História pela USP), e Cinema foi minha escolha. Então, o que começou com um passatempo tornou-se ofício, prazer e, por fim, forma de vida.

Após a projeção de Para Minha Amada Morta, Tiradentes divulga quem foram os vencedores de sua seleção competitiva. Animal Políticodo pernambucano Tião, é o favorito.

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