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The Last Kingdom e as histórias inspiradas por Agincourt

600 anos depois do confronto, a batalha que inspirou Shakespeare continua gerando histórias

25.10.2015, às 18H31.
Atualizada em 15.11.2016, ÀS 13H01

O discurso deixaria qualquer palestrante motivacional enlouquecido de orgulho. No dia 25 de outubro de 1415, o rei da Inglaterra Henrique V fala aos seus 5 mil homens prestes a entrar em mais um confronto da Guerra dos Cem Anos. Batizada com o nome do vilarejo mais próximo, a Batalha de Agincourt está para começar. No outro lado do campo, 25 mil franceses aguardam para cometer os mesmos erros que outros exércitos cometeriam nos séculos seguintes, excesso de confiança na vantagem numérica, desprezo pelo inimigo e erro na análise do terreno. William Shakespeare transformaria a grande bobeira dos franceses em um de seus grandes dramas históricos, Henrique V. Kenneth Brannagh transformaria Henrique V em um de seus melhores filmes.

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Tom Hiddleston como Henrique V em The Hollow Crown

Assim como a atual rainha Elizabeth II, Henrique não nasceu herdeiro do trono. O status só veio quando ele tinha 12 anos e seu pai derrubou outro rei que rendeu uma peça de Shakespeare, Ricardo II. Ambicioso como convinha a um rei do século XV, Henrique via sua posição como obra Deus e não era novo na arte de vencer situações difíceis. Aos dezesseis anos, Henrique liderava o exército de seu pai quando foi atingido no rosto por uma flecha. Um pouco acima, a seta teria atravessado o cérebro e matado o futuro rei. Um pouco abaixo, atravessaria vasos sanguíneos e outras estruturas chave, também causando a morte. Se o arqueiro tivesse acertado Henrique em ângulo reto, a flecha teria atravessado a cabeça do príncipe, saindo pelo outro lado do crânio, deixando um belo buraco e, mais uma vez, um cadáver. Num triplo golpe de sorte que leitores considerariam abuso se tivesse sido criado por um escritor, mesmo que fosse Shakespeare, a seta perdeu força pelo caminho, provavelmente ao atingir de raspão a armadura de algum combatente, entrou pelo rosto e ficou presa no osso do crânio de Henrique sem atravessá-lo. Em seguida, como o ferido era o futuro rei, e não um soldado qualquer, Henrique contou com o atendimento de John Bradmore, médico da corte e autor de um dos primeiros tratados de cirurgia do mundo. Obviamente interessado em seu paciente, Bradmore projetou uma ferramenta especial para tirar a ponta da flecha de dentro do crânio de Henrique, usando mel como antisséptico antes da cirurgia e vinho para lavar o ferimento.

Sobreviver a uma cirurgia na Idade Média já seria motivo de orgulho e de fé no divino, mas Henrique V queria mais. Ele queria o reino da França pela linha de sucessão materna, herança que os franceses não reconhecem. Para eles vale apenas a linha paterna. Mas a França vive um momento de crise. Seu rei, Carlos VI, era considerado louco e regia uma corte dividida por grupos rivais. Aproveitando a situação, Henrique demanda não só o trono, mas também a mão da filha de Carlos VI, Catherine e os territórios que a Inglaterra havia perdido, Normandia, Anjou e metade da Provença. A resposta foi não.

Determinado e muito religioso, Henrique armou-se com uma lasca da cruz de Cristo, 2 mil e quinhentos soldados, cruciais 8 mil arqueiros, uma enorme entourage, atravessou o canal da Mancha e cercou a cidade de Harfleur. É nesse exército que Bernard Cornwell inseriu o protagonista de seu livro Azincourt (Editora Record), romance histórico ambientado na Guerra dos Cem Anos e que assim como em The Last Kingdom e outras obras do autor, um personagem fictício é incluído em acontecimentos históricos reais. Em Azincourt, esse protagonista é Nicholas Hook, um arqueiro de grande perícia e um dos sobreviventes de Harfleur. Porque a cidade caiu nas mãos dos ingleses, mas após seis semanas de cerco, um terço do exército de Henrique V havia morrido no confronto.

O bom senso mandava o rei inglês juntar as malas e voltar para casa. Mas o bom senso nunca criou heróis Shakespeareanos. Henrique juntou as malas, mas foi para marchar por duas semanas liderando um exército que chegou ao campo próximo à vila de Azincourt molhado, cansado, doente e esfomeado. Nem todos concordam que no dia de São Crispim de 1415 havia cinco vezes mais franceses do que ingleses. Em seu livro, Bernard Cornwell aponta 6 mil ingleses contra 30 mil franceses. Em Agincourt, o Rei, a Campanha, a Batalha (Editora Record), a historiadora Juliet Barker conta 6 mil ingleses contra 36 mil franceses, enquanto Anne Curry, autora de Agincourt, a New History relata que ali se enfrentaram 9 mil ingleses contra 12 mil franceses e Ian Mortimer em 1415: Henry V's Year of Glory soma 8 mil ingleses contra 15 mil franceses.

Seja como for, estava tudo pronto para transformar Henrique V em título de tragédia. Uma última oferta de compensação em troca de retirada foi recusada pelos franceses. A batalha tinha de acontecer. Não se sabe o que exatamente o rei inglês disse aos seus soldados, mas Henrique V sabia motivar seus homens. Em tempos em que o rei participava das batalhas, uma das maneiras de proteger o monarca era usar dublês, cinco nobres vestidos como o rei. Em Agincourt, Henrique V era o único vestindo as cores reais. Ele também usava uma coroa sobre o elmo, atraindo ainda mais a atenção do inimigo, o que o torna um alvo fácil, mas também um exemplo ao seu exército. Dezoito franceses que haviam jurado matar o rei inglês foram mortos por ele ou por seus guardas. Jogos Vorazes fez o arco e flecha ser legal novamente, mas em Agincourt arqueiros como Nicholas Hook fizeram a diferença. Famosos por sua perícia no arco longo, 5 mil arqueiros atiravam sobre os franceses que avançavam. Um bom arqueiro era capaz de disparar quinze flechas por minuto e acertar alvos a 200 passos de distância, algo que só seria ultrapassado pelo rifle muito tempo depois.

Ainda assim, a batalha não foi um duelo entre arqueiros e cavaleiros. Com pouca tecnologia na manufatura, boa parte das pontas das flechas inglesas era incapaz de furar as armaduras francesas, mas aqueles que não eram mortos ou feridos eram obrigados a caminhar com a viseira abaixada para escapar das flechas, prejudicando ainda mais o avanço francês. Vencida a lama, que chegava à altura do joelho, os dois exércitos encontraram-se cara a cara e Agincourt transformou-se numa carnificina. Exaustos pelo peso das armaduras, prejudicados por cavalos apavorados e pelos corpos dos mortos e feridos, os primeiros franceses a atingirem a linha inglesa foram mortos a golpes de machado. Como as espadas também não furavam as armaduras, os soldados eram derrubados, sua viseira levantada e então mortos a facadas. Uma testemunha da época relatou que as pilhas de cadáveres atingiam a altura de um homem. Tirando o exagero, ainda assim os mortos transformaram-se em obstáculos aos companheiros que vinham logo atrás ou em defesa para os ingleses. Terminadas as flechas, os arqueiros ingleses passavam a usar o machado. Sem armadura, eram mais leves e ágeis que seus inimigos.

Ao final da batalha, 5 mil franceses estavam mortos e Henrique V havia perdido cerca de duzentos homens. Não houve ameaça francesa de cortar os dois dedos de cada arqueiro inglês capturado e não foi em Agincourt que nasceu o V de vitória imortalizado por Sir Winston Churchill durante a Segunda Guerra Mundial, mas é verdade que naquele dia 25 de outubro poucos venceram muitos. Para os ingleses, foi a batalha em que o espírito de sua nação venceu. Para os franceses, uma derrota indesculpável. Para escritores, cineastas e músicos, uma fonte inesgotável de inspiração.

Confira abaixo uma galeria com alguns discursos inspiradores como o da Batalha de Agincourt:

 

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