Definido pela crítica literária europeia como um dos pilares do novo romance policial francês, por sua prosa ágil, colorida de referências multiculturais, o escritor Caryl Férey acaba de incluir o Brasil em sua lista de memórias geográficas, começando pelo Leme, no Rio de Janeiro. É lá que se passa, até o dia 8 de novembro, a 4ª edição da Festa Literária das Periferias (Flupp), no Complexo Babilônia/ Chapéu Mangueira, evento no qual ele é uma espécie de popstar do Velho Mundo, com convites já fechados para palestrar em outros estados. Um de seus nove romances, Zulu, recém-editado em português pelo selo Vestígio, foi adaptado para o cinema em 2013, por Jérôme Salle, com Forest Whitaker e Orlando Bloom vivendo dois tiras da África do Sul às voltas com um assassinato conectado ao histórico de apartheid do país. A adaptação foi exibida hors-concours no encerramento do Festival de Cannes, há dois anos.
“A realidade brasileira é um assunto que se aprende na França, nesta França em crise de onde eu venho, por notícias de jornal”, diz Férey. “Mas, aqui, eu terei a chance de ver a sua gente e aprender direto com ela sobre as conciliações possíveis que vocês estabeleceram com as contradições políticas que enfrentam. Hoje, frente aos ciclos de mundialização da cultura, houve também a globalização de problemas econômicos e o maior deles, nas grandes metrópoles, é o fato de os ricos estarem mais ricos e os pobres estarem cada vez mais pobres. É um sintoma de apartheid social”.
Depois da Flupp, onde particiou de debate com o poeta israelense Ronny Someck, Férey prossegue com suas lições de brasilidades em excursões pelo Rio Grande do Sul - onde participa da Feira do Livro de Porto Alegre - e por São Paulo – onde discute o mito na construção literária na FlinkSampa, no dia 13. Conhecer novas cidades é uma prática essencial ao tipo de literatura que faz, muito influenciada pela visualidade do cinema e das séries de TV.
“Existe ainda um compromisso muito grande do cinema e até da TV na França em fazer um exercício de gênero, como é o policial, ligado a reflexões sociais. Na literatura hoje, houve uma renovação da prosa policialesca ligada a chegada de uma nova geração de autores com métodos muito pessoais. Eu, por exemplo, escrevo muito sob a influência do rock’n’roll e de Mozart. O rock me dá a energia da urgência, o que amplia a minha sensibilidade”, diz Férey, que publicou seu primeiro livro, Avec un Ange Sur Les Yeux, em 1994.
Marcadas por anti-heróis marginais, muitas vezes mediados pelo fracasso pessoal, as tramas de Férey são consequências das imersões que faz nos locais por onde viaja. Um de seus romances mais recentes, Mapuche, de 2012, é fruto de suas andanças pela América hispânica e narra a luta de uma jovem indígena para descobrir quem matou seu meu melhor amigo, um travesti. Já em Haka, seu primeiro best-seller, ele usa como cenário a Nova Zelândia, lugar que conheceu durante uma volta ao mundo na juventude. Lá ambienta o périplo de um policial de etnia Maori para desvendar o sumiço de sua mulher e filha tendo a imensidão neozelandesa como pano de fundo.
“No fundo, eu sou um jornalista que chega a um local em busca de fatos e das pessoas atrás deles. Leio muito sobre as realidades que visito para ter uma noção básica de suas questões sociais”, explica. “Mas é lá, ao vivo, no encontro com as pessoas, que eu entendo o que acontece com as pessoas, vendo como elas sentem e são”.
Além de Férey, a Flupp trará ao Rio de Janeiro autores como a australiana Francesa Haig, autora da franquia Fire Sermon, e o escocês Alan Campbell, autor da fantasia de The Deepgate Codex e um dos desenvolvedores do game Grand Theft Auto.
