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Crítica

Crítica: Em Busca do Paraíso

Um filme de pretensões anacrônicas sobre os pretensiosos anacronismos da Nova York '70

06.10.2009, às 14H00.
Atualizada em 11.11.2016, ÀS 02H02

A história dos bastidores de Em Busca do Paraíso (Heaven Wants Out) é ainda melhor do que a que está na tela - e é imprescindível para entender as qualidades dessa pequena obra-prima que se mistura inconscientemente àquilo que ridiculariza: a pretensão dos círculos intelectuais e boêmios da Nova York dos anos 70.

Assombração

em busca do paraíso

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Robert Feinberg fala um português carregado de sotaque inglês, dos anos em viveu tanto nos EUA quanto no Brasil. Ele tinha 22 anos em 1970, quando, protegido de Martin Scorsese no curso de cinema da Universidade de Nova York, juntou amigos para rodar, em 20 dias, em 16mm, a história de uma hostess de casa noturna com grandes sonhos, Heaven, interpretada pela então namorada de Feinberg, Ruby Lynn Reyner. Feinberg, porém, nunca terminou Heaven Wants Out.

Três décadas depois, ele foi procurado por um documentarista, Mark Mann, interessado em contar a história do primeiro e incompleto trabalho do promissor Feinberg. O documentário, que neste 2009 está em exibição na HBO dos EUA, se chama Finishing Heaven. Mann pinta Heaven Wants Out como uma assombração na vida do então estudante de cinema, mas o fato é que Feinberg diz que simplesmente largou o que havia rodado - as latas, muitas delas, ele guardou num galinheiro.

Com ou sem assombro, o fato é que Finishing Heaven motivou Robert Feinberg a concluir em 2009 o que começara em 1970. Como o material que ele conservou estava no positivo, o filme pouco se desgastou. Depois de 75 versões na moviola e no Final Cut, pelas contas do diretor, um montador contratado conseguiu dar alguma coerência ao que Feinberg havia filmado com ideias das quais ele nem se lembrava mais.

Autoconsciência tardia

O resultado, Em Busca do Paraíso, não é um Cabra Marcado para Morrer: não há qualquer menção a essa lacuna de 30 anos, é simplesmente um longa que demorou para ser montado. Mas como sabemos do que houve nos bastidores (é bom não esquecer que o longa só foi finalizado porque virara assunto de um documentário), é inevitável comparar os sonhos abortados de Heaven, a hostess, com a carreira abortada do cineasta Feinberg.

Em cena, Heaven passeia entre cenários que evocam a lendária Max's Kansas City (a boate preferida da geração de Scorsese e Andy Warhol, que aliás era outro amigo de Feinberg), com seus cabelos ruivos que lembram outra musa nascida para virar estrela, Judy Garland. O caso é que Heaven se casou, com um cirurgião plástico, depois com um empresário, flertou com boas-vidas e poetas, cogitou escrever poemas, cantar profissionalmente... E tudo nunca passou de promessa.

Feinberg, por sua vez, filmou a história de Heaven com as suas próprias pretensões artísticas: por espelhos, com planos sofisticados em que a câmera se movia lateralmente e não havia corte de campo e contracampo (como na cena do jogo de cartas), jogando com claro-escuro nas cenas com o poeta. O diretor é o duplo da hostess, no fim: cheio de frases de efeito (no caso, efeitos de câmera), não consegue perceber como esses cacoetes são vazios, válidos apenas como registro de um tempo postiço.

Como diz o poeta a Heaven em uma cena, "todo mundo pode escrever poesia, é só uma questão de linguagem". Feinberg tinha contatos, tinha as ferramentas, e provou em 20 dias de filmagens que "todo mundo pode fazer cinema" também. É só uma questão de linguagem.

Se evitava até agora finalizar Em Busca do Paraíso, talvez fosse porque percebeu, em algum momento dessas três décadas, até inconscientemente, que ele mesmo estava vivendo as ilusões de Heaven. O resultado que hoje vemos na tela é um irresistível retrato dessa autoconsciência tardia.

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Nota do Crítico
Bom
Ondine
Ondine
Ondine
Ondine

Ano: 2009

País: Irlanda, EUA

Classificação: 12 anos

Duração: 111 min

Direção: Neil Jordan

Roteiro: Neil Jordan

Elenco: Colin Farrell, Alicja Bachleda-Curuś, Dervla Kirwan, Alison Barry, Marion O'Dwyer, Tony Curran, Mary O'Shea, Gemma Reeves, Stephen Rea, Norma Sheahan

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