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Peixe Grande | Crítica

<i>Peixe grande</i>

19.02.2004, às 00H00.
Atualizada em 03.11.2016, ÀS 21H01

Peixe grande
Big fish

EUA, 2003 - 125min.
Comédia/Drama

Direção: Tim Burton
Roteiro: Daniel Wallace (livro), John August

Elenco
: Albert Finney, Ewan McGregor e Billy Crudup, Helena Bonham-Carter, Jessica Lange, Steve Buscemi, Danny DeVito, Faye Dunaway.

Quem acredita que Tim Burton atravessa uma má fase tem, a seu favor, um grande argumento chamado Planeta dos macacos (Planet of the apes, 2001). Já o bicho que sucede os símios, Peixe grande e suas histórias maravilhosas (Big fish, 2003), menor na pretensão, não parece gerar tanta controvérsia.

Isso se deve, em parte, ao caráter apaziguador da trama. Edward Bloom (Albert Finney, o advogado bonachão de Erin Brockovich) está às portas da morte - tempo de zerar as diferenças com o filho adulto, o jornalista Will. E são várias. O rapaz sente-se enganado, desconhece a verdadeira vida do pai, um inveterado contador de histórias fantasiosas que diz protagonizar.

Ed não entende o desespero de Will (Billy Crudup, o guitarrista da banda de Quase famosos), diz que os casos são todos verdadeiros, sim, coisa que a objetividade jornalística do jovem não consegue compreender. Narrador do filme, Will parte, então, para a investigação, enquanto relembra as histórias ouvidas na infância. Conhecemos então, em flashbacks, um Ed Bloom (Ewan McGregor) jovem, bonito, charmoso, decidido, corajoso, cativante, incontestável... sempre metido em circos, guerras, pântanos, assaltos, bruxarias, inundações, festas, sucessos...

Burton tem, nesse contexto, espaço ilimitado para exercitar a sua imaginação visual. E o diretor continua um esteta excepcional, tanto nos habituais momentos sombrios quanto nos mais coloridos. Peixe grande é, enfim, um filme simples e bonito, que valoriza o escapismo saudável num mundo de cores sem graça. Uma brincadeira metalingüística com o próprio cinema fantástico que o cineasta sempre buscou: a luta de Ed Bloom pelo direito de inventar é a mesma que move Tim Burton.

Inspirador, sem dúvida. Quem busca apenas um pouco de diversão pode parar por aqui, pois, com a sua pequena fábula, Burton supera, de longe, o lixo hollywoodiano. No entanto, isso não significa que o filme seja imune a críticas.

Sem perigo, sem profundidade, sem compaixão

O próprio fiasco de Planeta dos macacos faz lembrar que o diretor já teve dias melhores, principalmente do ponto de vista narrativo. E Peixe grande sofre desses males recorrentes: narrativa previsível, redundância e didatismo exacerbados.

É uma questão delicada, que envolve também a essência do personagem. Por não haver um conflito legítimo na vitoriosa vida de Bloom, sua trajetória torna-se um pouquinho menos interessante - o inverso da compaixão que sentimos por Forrest Gump, outro contador de histórias, analogia mais do que inevitável.

Para piorar, a caracterização psicológica do protagonista estaciona logo nos primeiros momentos. Não há o necessário aprofundamento. E isso fica evidente quando a repetição ostensiva da metáfora do título - segundo a qual Bloom é um peixe grande demais para a modesta pequenez dos lagos da vida - chega ao limite do clichê.

Os ótimos desempenhos de Finney e McGregor, assim, não bastam. Toda narrativa aventuresca pressupõe certo perigo, um perigo que honre o seu nome, necessária também para estabelecer o vínculo mais forte com o público. E por mais curiosos que sejam, a cidadezinha de Spectre, o poeta, o gigante, a casa torta não oferecem desafio, tornam-se casos meramente ilustrativos.

Não entenda mal; as pequenas narrativas são pitorescas, floreadas, engraçadas, emocionantes na medida certa. Todavia, os acontecimentos realmente decisivos na vida do personagem são raros. Não por acaso o melhor deles, a passagem pelo circo, trata da busca pelo amor de sua vida. Sem ele, Bloom não conheceria a sua esposa, Will não existiria, e sem o narrador não haveria filme.

Picuinhas, você diz. Talvez. A apoteose que encerra o filme pode tanto ser uma bonita imagem onírica quanto uma cópia mal disfarçada da celebração felliniana que encerra o clássico 8 ½ (1963). Já não cabe, aqui, discutir esses pormenores. Parece, porém, vital ressaltar que Peixe grande fica abaixo das melhores obras do diretor, por mais que seja um entretenimento honesto e simpático.

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