A Guerra dos Gibis - A formação do mercado editorial brasileiro e a censura aos quadrinhos, 1933-1964
Gonçalo Júnior
- Cia das Letras
448 páginas - R$ 52,00
5 ovos

Nota máxima

A Guerra dos Gibis - a formação do mercado editorial brasileiro e a censura aos quadrinhos, 1933-1964

Você já sabia que a editora Abril, hoje a mais poderosa editora de revistas na América Latina, lançou-se no mercado com histórias em quadrinhos, certo? Como a editora costuma lembrar de tempo em tempos, a primeira publicação com o selo Abril foi Pato Donald no. 1, em 1950.

Mas você sabia que outra importante editora nacional, talvez a maior do mercado de livros, a Record, tem seu nascimento diretamente ligado às raízes da Marvel Comics, no final da década de 30?

Só esses dois fatos já são suficientes para mostrar a importância das histórias em quadrinhos para o mercado editorial brasileiro. Pois Gonçalo Junior, jornalista e gibi-maníaco, reúne em A Guerra dos Gibis centenas de outros fatos e histórias que demonstram o grande significado que as "revistinhas" tiveram para a imprensa brasileira em meados do século XX.

Em especial, o livro é a história de Adolfo Aizen, o maior defensor dos quadrinhos no país, fundador e editor da Editora Brasil-América (EBAL). É ele o eixo que conduz a história, que começa exatamente em 1933. Na redação do jornal O Globo, Aizen conversava com Roberto Marinho, magnata da imprensa carioca e futuro fundador da TV Globo. Os dois viajariam juntos, em breve, aos Estados Unidos. Aizen voltaria maravilhado com o país, e especialmente com seus jornais, que estavam cheios de novidades gráficas e editoriais, trazendo, por exemplo, um novo suplemento - feminino, esportivo, literário, etc. - a cada dia. Mas seu maior deslumbramento foi mesmo com o suplemento infanto-juvenil, cheio de belíssimas páginas coloridas tapadas de tiras em quadrinhos. Pelos próximos 50 anos, ele dedicaria sua vida a encher as bancas brasileiras de HQs.

Uma guerra de gibi

Aizen pode ser o eixo, mas a história não se resume a ele. A Guerra dos Gibis também traz capítulos da vida de líderes da comunicação no Brasil, como o já citado Roberto Marinho (diretor de O Globo e da Rio Gráfica-Editora - RGE), Assis Chateaubriand (o maior magnata das comunicações no Brasil na primeira metade do século XX, fundador da revista O Guri), Alfredo Machado (da editora Record) e Victor Civita (da editora Abril) - todos personagens importantes para as HQs por aqui. Eles atravessam a história com relações em constante mutação - uma hora são grandes amigos, em outra tornam-se perversos inimigos; passam anos vivendo como concorrentes acirrados, mas quando surge um problema que afeta a todos, viram alegres parceiros de negócios.

E os quadrinhos passaram por muitos, muitos problemas nos seus primeiros anos de vida brasileira. Não foi só nos Estados Unidos que os gibis foram considerados provocadores da delinqüência juvenil, estimuladores do crime, perigosas armas contra a mente infantil e mesmo panfletagem comunista. No Brasil, os quadrinhos também eram atacados de todos os lados. Jornais e revistas pregavam contra as histórias policiais que, segundo eles, ensinavam as artimanhas de criminosos às crianças. Intelectuais questionavam os valores estrangeiros que as revistas portavam, já que, como hoje, quase todo o material vinha dos Estados Unidos. E o próprio governo tentou intervir, chegando até mesmo a criar um mecanismo que garantissem a censura dos gibis.

Em suma: através da década de 40 e 50, quadrinhos eram uma ameaça à moral e aos bons costumes.

Gonçalo Júnior não diz com estas palavras, mas parece defender a tese de que este jogo de críticas e censura tinha mais a ver com um jogo do mercado do que com a boa moral. Numa época ainda sem televisão, jornais e revistas eram imensas fontes de renda para as empresas. Os quadrinhos, então, vendiam dezena de milhões de exemplares mensalmente. Aizen, Marinho e outros, enchendo os bolsos, viravam alvos fáceis de outros empresários que não estavam ganhando dinheiro com a novidade.

Orlando Dantas, diretor do jornal carioca Diário de Notícias, foi um dos mais vis vilões da história, um verdadeiro arqui-inimigo dos gibis. Grande concorrente de Roberto Marinho, e vendo a popularidade do produto de seu adversário, Dantas importava dos EUA artigos sobre os perigos dos quadrinhos, incitava seus colunistas a denegrirem as revistinhas e criava diversas intrigas para atacar o inimigo e afundar a imagem das HQs.

Primeiro da Abril

A Guerra dos Gibis é também um livro de revelações. Gonçalo Júnior contesta que Pato Donald tenha sido a primeira revista da Abril - a estréia mesmo aconteceu com O Raio Vermelho, outro gibi, apagado da historiografia por ter sido um fracasso de vendas. Mas a segunda e mais importante revelação é sobre Adolfo Aizen. O maior editor de quadrinhos no Brasil havia, secretamente, nascido na Rússia e vindo para o Brasil ainda criança. Como estrangeiro, não poderia ser proprietário de meios de comunicação no Brasil - o que lhe rendeu décadas de tensão pelo medo de ser descoberto, preso e impedido de publicar seus gibis.

Gonçalo Júnior, enfim, construiu o mais importante livro sobre a história dos quadrinhos no Brasil. É uma obra de pesquisa exaustiva, com imensa quantidade de detalhes, contextualização histórica perfeita e texto delicioso. Mais do que isso, Gonçalo descobriu que a história da formação do mercado de quadrinhos brasileiro é uma autêntica história de gibi: personagens guiados por suas emoções e ideais, vilões e perigos de todos os lados, e a paixão de Aizen pela nona arte - sem esta paixão, você provavelmente não estaria lendo seus gibis hoje.

Se há alguma coisa a reclamar de A Guerra dos Gibis, é o fato de ele não ser uma história em quadrinhos.